terça-feira, 23 de abril de 2024

Transcripto: Relação dos Serviços que pratiquei na conquista dos Sete Povos das Missões (Manuel dos Santos Pedroso, 1802)

Relação dos serviços que pratiquei na conquista dos sete Povos Guaranis das Missões orientais do Uruguai, desde o principio até o fim da Guerra próxima passada.

Autor: Manuel "Maneco" dos Santos Pedroso

[ortografia modernizada]

Havendo-me apresentado voluntariamente na guarda avançada de S. Pedro ao capitão de Dragões comandante Francisco Barreto Pereira Pinto [(1758-1804)] oferecendo-me para o serviço de guerra, logo que se deu ordem para hostilizar aos espanhóis, me encarregou o dito capitão comandante de atacar a guarda fronteira espanhola de S. Martinho, o que eu executei prontamente fazendo retirar aos espanhóis, que ali se achavam, e sem demora participei esta notícia ao sobredito capitão comandante, o qual tomando conta da dita guarda de S. Martinho, e guarnecendo-a com gente nossa me ordenou, que visto falar eu o idioma guarani, me avançasse com os mesmos 20 homens para os estabelecimentos dos índios das Missões, a fim de os persuadir, a que se revoltassem a nosso favor, e serem vassalos portugueses, para o que nós os auxiliaríamos.

Passei as estâncias dos povos de S. Lourenço, e S. Miguel nas quais falei aos índios, que além de me auxiliarem com as cavalgaduras, de que precisei, me asseguraram que todos desejavam passar ao domínio português para o que necessitavam o nosso socorro, e participando eles os meus avisos aos seus respetivos corregedores, escreveram estes sem demora ao mesmo capitão comandante assegurando-lhe o desejo, e boa vontade que todos tinham do nosso socorro para serem vassalos de sua alteza real.

Deixei sete dos meus camaradas de patrulha na estância de S. Pedro, e com licença do mesmo capitão de dragões comandante voltei à minha estância de S. Pedro, a refazer-me de algumas coisas, de que precisava, e a ajuntar mais alguns camaradas; o que tudo fiz em quatro dias, e tornei para a dita guarda de S. Pedro, aonde o referido capitão  de dragões comandante me encarregou o comando de uma partida de 40 homens para ir socorrer José Borges do Canto [José Francisco Borges do Canto (1775-1805)], que se havia dirigido a atacar o povo de S. Miguel, aonde cheguei um dia depois de o dito Canto haver surpreendido, e atacado o acampamento uma légua distante daquele Povo.

Segundo as ordens que me deu o citado capitão comandante, me ofereci para ajudar, ou auxiliar com a minha partida ao sobredito Canto; o qual dizendo-me que ali não era tão necessário o meu socorro, como na costa do rio Uruguai em razão de haver apanhado cartas do governador de Missões [Joaquín de Soria-Santa Cruz y Guzmán (1748-1814), governou entre 1800 e 1802] para o tenente governador do povo de S. Miguel [D. Francisco Rodrigo], nas quais lhe dizia, que naqueles e dias o socorria com reforço de gente, me encarreguei da defesa dos passos do Uruguai, para com mais segurança o referido Canto obrigar, e constranger a render se o dito tenente governador; que se achava encerrado no colégio do mesmo povo de S. Miguel com 150 homens de armas, e 10 peças de artilharia.

Encaminhei-me sem demora para o Uruguai, e com a notícia, que deram os bombeiros espanhóis da minha marcha, duas partidas espanholas, que vinham pelo arroio Piraju, a estância de Santiago em socorro do sobredito tenente governador; sendo cada uma de 50 homens retrocederam, e passaram o Uruguai em cujo passo de S. Isidro encontrei no dia 11 de Agosto o tenente de dragões da partida espanhola da demarcação com 6 dragões e 12 milicianos, aos quais tomei as armas, e deixei que passassem o Uruguai visto irem de retirada da dita demarcação.

Do dito passo fiz retroceder 6 carretas para // o povo de S. Nicolau, carregadas com alfaias da igreja, e géneros dos armazéns, que o seu administrador pretendia fazer passar ao outro lado do Uruguai, o que tudo fiz recolher ao mesmo povo, entregando ao padre cura, o que pertence a igreja, e ao corregedor, o que se havia tirado dos armazéns.


No seguinte dia tendo eu notícia, que o referido tenente governador tinha saído do citado povo de S. Miguel, e se dirigia a passar o Uruguai com 140 espanhóis de armas, 10 peças de artilharia, e uma carreta com petrechos de guerra, e que vários espanhóis se incorporavam a esta partida, me pus em marcha com 20 homens a fim de lhe tomar o armamento, e fazê-la retroceder, o que pratiquei no povo de S. Luís, aonde encontrei sem embargo da capitulação, que alegava o mencionado tenente governador haver ajustado com o citado José Borges do Canto; porquanto receando eu, e sendo muito provável, que de este corpo de gente armada chegasse ao Uruguai, e se reunisse a outro número de espanhóis, cuja passagem para o lado de cá podia favorecer abusando do indulto da mesma capitulação, seriamos obrigados a evacuar as Missões, e perdermos o trabalho desta conquista, que tínhamos conseguido com tanta felicidade, visto a pouca gente nossa que então lá havia.

Dei parte desta minha resolução ao referido capitão de Dragões comandante, que mandou sem demora um dos cadetes seus filhos com um capitão miliciano para deterem o mesmo tenente governador, e demais espanhóis até segunda ordem, e poucos dias depois o capitão de cavalaria miliciana José de Anchieta [no original, Anxeta, José de Anchieta Furtado de Mendonça (1756-1829)] com a sua companhia [,] 10 dragões e um furriel.

Voltei ao povo de S. Nicolau, aonde chegou este socorro; e tendo eu guarnecido os povos de S. Maria, S. Isidro e S. Lucas acompanhei com 10 homens da minha partida ao dito capitão Anchieta, que se pôs em marcha com a sua companhia para o povo de S. Francisco de Borja; cujos habitantes solicitavam de contínuo o nosso socorro: Nesta marcha deixou o sobredito capitão Anchieta sete homens de patrulha no povo de S. Marcos; cuja patrulha foi atacada na noite do dia seguinte pelos espanhóis em grande número ouvindo-se do dito povo de S. Francisco de Borja ao amanhecer os tiros, parti sem demora com 10 homens a socorrer a dita patrulha, que tendo perdido os seus cavalos, e perseguida dos espanhóis procurava ganhar o passo de Camaquã; mas logo que o inimigo viu que chegávamos de socorro, se pôs em retirada atravessando o Uruguai, deixando em nosso poder 500 animais, entre cavalos, e gado vacum: Neste ataque além dos espanhóis feridos, morrerão quatro, e da nossa parte só morreu um miliciano.

Tendo chegado para comandante dos sobreditos povos o major de Dragões [sargento-mor José de Castro Morais], recebi deste ordem para lhe falar, e em consequência me pus em marcha com os meus 10 camaradas para o povo de S. Luís, de onde acompanhei ao dito major na diligência de reconhecer os sobreditos passos, que eu havia guarnecido com os camaradas da minha partida e vários milicianos.

Nesta ocasião passou o tenente governador com a sua família para o outro lado do Uruguai. Segui acompanhando o mesmo major nos reconhecimentos dos passos de baixo, até o sobredito povo de S. Francisco de Borja.

Havendo-se prendido um bombeiro espanhol, que nos deu notícia de haver no arroio Camaquã 5 léguas distante deste povo uma partida espanhola de 12 homens, que andava bombeando o mesmo povo me // ordenou o referido major a fosse eu atacar, o que fui imediatamente com 10 homens, de que resultou morrerem 2 espanhóis, fugirem os mais, e tomarmos 25 cavalos, dos quais 5 eram encilhados, sem haver nenhum prejuízo da nossa parte.

Voltei acompanhando o citado major para o povo de S. Nicolau aonde havia chegado [23 de setembro de 1801] o major Joaquim Félix da Fonseca [Joaquim Félix da Fonseca Manso] para comandante dos mencionados sete povos, dos quais se retirou para a fronteira do Rio Pardo o referido major de Dragões.

Apresentei-me ao dito major comandante Joaquim Félix procurando as suas ordens e dando-lhe conta de tudo quanto eu até então havia praticado nos mesmos povos. encarregou-me da defesa dos sobreditos povos de S. Maria, S. Isidro, e S. Lucas; os quais sendo atacados sucessivamente com forças superiores pelos espanhóis, foram estes sempre rebatidos com perda deixando a 1.ª vez no passo de S. Lucas 8 homens mortos, da 2.ª no povo de S. Isidro levaram muitos feridos; e da 3.ª e, S. Maria levaram 2 mortos e1 ferido, não havendo da nossa parte em todos estes ataques mais do que 1 homem morto.

Havendo no povo de S. Lucas uma guarda espanhola de 30 homens, me ordenou o sobredito major comandante passasse eu com 80 homens ao dito povo a fazer as hostilidades, que se pudesse, o que eu executei no dia 21 de novembro passando o Uruguai pela meia-noite, e atacando a dita Guarda pelas 9 horas do dia, ao tempo que recolhiam a cavalhada.

Matámos 4 espanhóis, aprisionámos 3, e os mais fugiram deixando em nosso poder 100 cavalos.

Fiz montar a cavalo sem demora 20 homens e os mandei bombear até uma légua distante do povo da Conceição recolhendo ao mesmo passo os animais cavalares, e vacuns, que encontrassem e quando chegavam de retirada com 200 dos ditos animais, vinha em seu alcance uma partida de 150 espanhóis, aos quais ataquei com alguns tiros de clavina, de que morreram 3, e os mais se retiraram, logo que descobriram a nossa gente: Pouco tempo depois na ação de passarmos os ditos animais se encaminharam ao passo, onde nos achávamos, 300 espanhóis pouco mais ou menos fazendo-nos fogo com 3 peças de Artilharia: então os atacámos no mesmo passo com tiros de clavina, e lhes matámos 8 homens incluso o seu comandante, aprisionámos outros 8, além dos feridos, que levaram, e tomamos as ditas 3 peças de artilharia com a sua palamenta retirando-se desordenadamente os demais espanhóis sem haver da nossa parte em todos estes ataques ferido algum.

Continuámos a passar os ditos animais. Sete canoas que tomámos; e as sobreditas 3 peças, que conduzimos para o povo de S. Nicolau.

Quando pensávamos em atacar um acampamento de 400 espanhóis comandados por um coronel de milícias, chegou a declaração da paz, que se publicou em 24 de dezembro de 1801.


Porto Alegre, 9 de setembro de 1802

Manoel dos S.tos Pedrozo


Está conforme com o original

Francisco João Rossio


Fonte

Biblioteca Nacional (Brasil), manuscritos, I-31,26,002 (online


Transcripto: Relação dos Acontecimentos Mais Notáveis [...] na Entrada e Conquista dos Sete Povos das Missões (José Borges do Canto, 1802)

Relação dos Acontecimentos Mais Notáveis da Guerra Próxima Passada na Entrada e Conquista dos Sete Povos das Missões Orientais do Rio Uruguai, por José Borges Do Canto […]

Autor: José Francisco Borges do Canto (1775-1805)

[ortografia modernizada]

Depois que o capitão de Dragões e comandante da guarda avançada de S. Pedro. Francisco Barreto Pereira Pinto [1758-1804], mandou atacar a guarda espanhola de S. Martinho, pelo dom Manoel dos Santos [Pedroso] o qual por ordem do mesmo capitão se foi internando a dispor e assegurar aos índios daqueles povos, que eles de nenhuma forma seriam ofendidos ou molestados pelos portugueses; mas sim auxiliados, a fim de sacudirem o jugo dos espanhóis. e tirarem debaixo da benéfica proteção de S. A. R. o Príncipe Regente nosso senhor, recebeu o sobredito capitão comandante cartas dos corregedores. e mandarins dos mesmos povos, que eles tinham com efeito a mais eficaz vontade de passarem à obediência e proteção do nosso soberano, para o que esperavam ansiosamente do mesmo capitão comandante serem socorridos e auxiliados pelos portugueses.

A este tempo me apresentei voluntariamente na dita guarda de S. Pedro com 15 homens que eu havia ajuntado, e agregado a mim, e me ofereci ao referido capitão comandante para ser empregado na guerra, debaixo das suas ordens. Tendo ele preenchido o número de 40 homens, inclusos os ditos 15, me encarregou de auxiliar os índios do povo do S. Lourenço. que eram os que mais instavam pelo socorro dos portugueses. prometendo-me, que eu seria brevemente socorrido com outra igual partida.

No dia 3 de agosto me pus em marcha para o 1.º estabelecimento, ou estância de S. Pedro, dos índios, aonde já o mesmo capitão de Dragões meu comandante havia posta uma patrulha portuguesa de 7 homens, e ali achei os índios muito favoráveis: oferecendo-nos cavalos, mantimentos, e suas pessoas. Com estes auxílios segui adiante 9 léguas para o posto de S. Xavier, e nesta marcha aprisionámos um bombeiro do inimigo, vindo do povo de S. Miguel, capital dos mencionados povos, cujo bombeiro deu-me notícia que na estância de S. João Mirim 3 léguas adiante, havia uma patrulha de 5 espanhóis, e vários índios; e que 1 légua para cá da dita capital se estava formando um acampamento, aonde haviam [sic] 30 espanhóis, e 300 índios.

Na noite deste dia ordenei ao furriel miliciano Gabriel Ribeiro marchasse com 20 homens a surpreender ou atacar aquele posto de S. João Mirim; o que com efeito executou o mesmo furriel, felizmente sem haver morte alguma. 

Marchei no dia seguinte para S. João Mirim, aonde achei quatro espanhóis presos, e os índios todos daquele lugar dispostos a me acompanharem, oferecendo-me mantimentos e cavalgaduras. Considerando que logo se espalharia a notícia da minha chegada, até à capital, com o parecer do sobredito furriel, nos pusemos em marcha na noite deste dia, com o fim de surpreender e atacar o dito acampamento, perto do qual chegámos 3 horas antes de amanhecer. Ao romper do dia pus uma guarda aos prisioneiros. e à cavalhada, e com 36 homens que dispus ataquei repentinamente o sobredito acampamento com uma descarga de clavina, na parte em que se achavam os espanhóis; os quais se renderam imediatamente, ficando 5 mortos, e 8 feridos, sem haver ferido algum da nossa parte. Os índios que procuravam fugir espavoridos com a bulha dos tiros, logo que lhes mandei falar, e dizer, que nós íamos a socorrê-los, e não fazer-lhes dano, se voltaram todos a nosso favor, e muito contentes e prontos a nos acompanhar, e auxiliar em qualquer empresa que tentássemos.

Dei logo parte desta vantagem, e feliz acontecimento ao citado capitão de Dragões meu comandante; o qual fez sem demora marchar em meu socorro ao sobredito  Manuel dos Santos Pedroso, com 40 homens, e eu acompanhado dos 300 índios do acampamento segui no mesmo dia para a referida capital de S. Miguel, aonde se achava o tenente governador dos citados povos, que era o tenente-coronel de infantaria D. Francisco Rodrigo, ao qual avisei e mandei intimar que mandasse confessor para os feridos, e se aprontasse, ou para entregar o povo de São Miguel, ou para ser atacado: respondeu-me que tinha com que se defender. Chegámos à vista daquele povo em distância como de 400 braças; mandei os índios recolher todos os animais cavalares, e vacuns que se achassem nas imediações do sobredito povo; ao qual pus cerco; nesta ocasião se ofereceram os mesmos índios para tentarem com engano que se abrisse o portão do colejo, afim de segurarem 10 peças pequenas de artilharia, e perto de 200 espingardas, e de mais armamentos, que havia no mesmo Colégio, e podermos entrar ao sinal que nos fizessem; porém o tenente governador desconfiado dos índios, não os deixou entrar. Uma grande parte dos índios do povo, e muitas famílias se agregaram à nossa partida neste mesmo dia que foi a 9 de agosto. No dia seguinte fiz montar a cavalo 400 índios, a frente dos quais marchei com a nossa partida uma pequena distância, e mandei intimar por escrito ao sobredito tenente governador, que evacuasse quanto antes o povo, eu lhe admitiria uma favorável capitulação e que do contrário sofreria o rigor da guerra: respondeu-me que lhe concedesse 3 dias para se resolver, no que convim. Ao seguinte dia encarreguei ao furriel Gabriel Ribeiro de patrulhar com 10 homens para a estrada de S. Lourenço, em cuja diligência aprisionou um correio mandado pelo governador de Missões para o referido tenente governador; ao qual recomendava em uma carta fizesse toda a diligência por se defender, entretanto que ele próprio governador o socorria com a maior brevidade. Com esta notícia enviei as cartas ao tenente governador, fazendo-lhe saber que eu não podia já convir na espera dos 3 dias, e que se não capitulasse sem demora, o atacava: respondeu-me que logo na manhã do dia seguinte me remeteria as condições da capitulação, pedindo-me, que o não atacasse antes. 

Na tarde deste dia chegou em meu socorro o referido Manuel dos Santos Pedroso com 40 homens, remetidos pelo mencionado capitão de Dragões meu comandante, o que havia encarregado ao mesmo Manuel dos Santos, que a não precisar eu de socorro se adiantasse para a costa do rio Uruguai a guarnecer, e defender os passos, entretanto que ele dito capitão procurava enviar mais gente de reforço. conforme a que fosse ajuntando. e as partes que recebesse. Acordei com Manuel dos Santos que não precisando eu já do seu socorro, por querer capitular o tenente governador, se fosse adiantando, conforme as ordens do mesmo capitão comandante.

Na manhã do dia 13 me enviou o tenente governador por 3 espanhóis a capitulação, pela qual exigia. que eu o fizesse escoltar até passar o Uruguai com 160 espanhóis que tinha consigo e todo o armamento, e petrechos de guerra, no que convim atendendo às funestas consequências que se poderiam seguir de qualquer demora, em razão do socorro espanhol, que esperavam sem dilação. Fiz imediatamente aprontar as carretas, cavalhada, e gado de munício para esta condução, que encarreguei a 5 homens da minha partida. 

No seguinte dia tomei conta do povo e seu armazém, e pus em marcha o referido tenente governador na forma ajustada. Dei logo parte desta grande vantagem ao citado capitão de Dragões meu comandante, e deixei que fossem livremente para seus respetivos povos os 300 índios do acampamento. No dia 15 fiz saber aos dois povos de S. João, e S. Ângelo, que se deviam submeter à obediência de S. A. R., o que aceitaram sem repugnância, e dei as providências que me pareceram necessárias para o sossego, e quietação dos mesmos povos. O referido Manuel dos Santos Pedroso que se achava defendendo a passagem do Uruguai, sabendo que vários espanhóis se incorporavam ao tenente governador que ia em viagem, a passar o mesmo Uruguai, e receando que estes favorecessem a passagem do inimigo para o lado de cá, voltou a encontrar-se com o sobredito tenente governador, e o fez retroceder desarmando toda a sua gente, dando parte desta resolução e previdência ao mesmo capitão de Dragões comandante; o qual enviou imediatamente um dos Cadetes seus filhos, com um capitão de cavalaria miliciana, a fim de que reunindo-se com uma patrulha de 15 homens que se conservava no posto de S. Pedro, lhe dirigisse as partes de acordo comigo, encarregando-me assim como a Manuel dos Santos da defesa dos passos do Uruguai; e sem dilação fez marchar o capitão Anchieta [José de Anchieta Furtado de Mendonça (1756-1829)] da cavalaria miliciana com a sua companhia, 10 dragões e 1 furriel a incorporar-se comigo e seguirem as minhas disposições. 

Assentamos que o dito capitão Anchieta com a sua companhia, e os dragões marchasse para o povo de S. Francisco de Borja, que era o mais distante, e próximo ao Uruguai; que o tenente governador, e demais espanhóis se conservassem como prisioneiros no povo de S. Miguel, aonde eu me achava, e que o mesmo Manuel dos Santos Pedroso continuasse a defender os passos do Uruguai, e de tudo dei parte ao senhor governador do continente, ao tenente coronel comandante da fronteira do Rio Pardo, e ao referido capitão de Dragões meu comandante pelo mencionado furriel Gabriel Ribeiro, remetendo por este bandeiras dos povos de S. Ângelo, S. João. S. Lourenço e S. Luís, de que resultou haver-me o dito senhor governador promovido a capitão de cavalaria miliciana e a tenente da minha companhia, ao citado furriel Gabriel Ribeiro, dando-me autoridade para eu nomear alferes da mesma companhia, o que fiz elegendo para este posto a Francisco Gomes, um dos meus camaradas que se havia distinguido. 

Na marcha em que ia o sobredito capitão Anchieta encontrou vários índios do mesmo povo de S. Francisco de Borja. que traziam preso e amarrado o espanhol seu administrador para mo entregarem, certificando, que aquele povo estava rendido à obediência, e proteção de S. A. Real, e os seus habitantes o ficavam defendendo dos espanhóis, esperando o socorro português.

Havendo deixado o capitão Anchieta na sua marcha uma patrulha de 9 ou 10 homens no passo de S. Marcos. no Uruguai, foi esta atacada na seguinte noite pelo inimigo com forças mui superiores, o que não obstante se defendeu a dita patrulha toda a noite até o amanhecer, que se retiraram para o outro lado os espanhóis. e a mesma patrulha para o povo de S. Francisco de Borja, por haverem perdido os seus cavalos com arreios, e gastado todos os cartuchos: da nossa parte houve um homem morto. e da do inimigo 7, além dos feridos. 

Tendo chegado para comandante dos povos o major de Dragões [José de Castro Morais], recebi deste ordem a 16 de setembro para mandar 7 camaradas da minha companhia, com outros da partida de Manuel dos Santos a se incorporarem em S. Francisco de Borja com o tenente de cavalaria miliciana Francisco Carvalho; o qual com 9 homens tinha sido atacado no passo da Cruz, 14 léguas abaixo do de S. Francisco de Borja, nos fins de agosto, pelos espanhóis  em número de 150 comandados por um oficial miliciano, conhecido por antonomásia o Rubio Dulce, de cujo ataque resultou ficar ferido da nossa parte um homem e tomarmos ao inimigo 414 cavalos.

Poucos dias depois Raimundo Santiago que se achava de patrulha no passo de S. Francisco de Borja, meteu-se em um bote com seis homens e foi bombear na margem oposta o forte dos espanhóis sendo por estes persentidos se pôs em retirada, e lhes fez fogo matando 5 homens, e ferindo 3: no meio do rio foi atacado por 2 botes inimigos, e apesar do grande fogo que lhe faziam a que correspondia o dito Raimundo, pode conseguir escapar-se para o lado de cá donde havia sabido.

A este tempo o mesmo Rubio Dulce com 2 saveiros guarnecidos com 30 homens cada um, pretendeu fazer um desembarque no referido passo de S. Francisco de Borja, cujo lugar sendo socorrido pelo furriel miliciano Victor Nogueira com alguns soldados, e o mesmo tenente Francisco Carvalho que ajuntou 30 homens, fizeram estes um fogo tão bem dirigido sobre o inimigo, que desenganado de não poder verificar o seu desembarque, se pôs em retirada levando muitos mortos, e feridos, e da nossa parte não houve ferido algum.

Rechaçado o dito Rubio Dulce, passou o Uruguai com 80 homens de cavalo, e foi atacar uma pequena guarda que o sobredito tenente Carvalho havia deixado no passo de Butuí [no original, Botoy]; cuja guarda constava de um furriel miliciano, e 7 homens; os quais se houveram com tanto acordo, e valor por mais de 3 horas de fogo, que obrigaram ao Inimigo a retirar-se com perda de 4 homens mortos e 7 feridos, não havendo da nossa parte mais de 1 ferido, que veio a morrer.

Socorrido o referido tenente Francisco Carvalho como fica dito, e tendo notícia deste acontecimento, se pôs imediatamente em marcha com 30 homens para o passo da Cruz, cujo caminho havia seguido Rubio Dulce com a sua partida; a qual sendo atacada de madrugada no passo do Tacuim, junto ao da Cruz, pela nossa que comandava o dito tenente, teve este uma grande vantagem; pois não só conseguiu pôr em fugida os espanhóis espavoridos pela costa do Uruguai deixando 7 mortos, e 11 feridos; mas retomou os animais, que levavam dos nacionais; aos quais se tornaram a entregar. Da nossa parte houve 1 ferido e 1 morto. 

Havendo passado de ordem superior para o outro lado do Uruguai o mencionado tenente governador, e várias famílias espanholas, chegou a Missões a 24 de setembro o major Joaquim Félix [Joaquim Félix da Fonseca Manso (1751-1814)] para comandante dos referidos 7 Povos, e se retirou o major de Dragões. No 1.º de outubro tive ordem do dito major comandante para deixando eu a gente precisa para guarda dos prisioneiros, me pusesse em marcha com a que sobrasse para o povo de S. Nicolau, aonde ele se achava; porém eu que estava doente, mandei o meu tenente Gabriel Ribeiro com 19 homens. Depois tive notícias que os espanhóis atacaram no passo da Conceição; distante 4 léguas de S. Nicolau, uma pequena patrulha nossa, a qual se retirou em rezão do grande número dos inimigos, que se contentaram em conduzir 2 canoas ao outro lado, para onde tinham já passado, quando chegou o reforço de gente, enviada de S. Nicolau. 

Poucos dias depois deu parte o tenente de Dragões José dos Santos, que estava continuamente ameaçado, e atacado o passo de S. Francisco de Borja, aonde só haviam 15 homens novos [sic] comandados pelo citado Raimundo Santiago auxiliado pelos índios [no original, gralha tipográfica, “Raimu uxiliado pelos Santiago nndl-dios”], e que no passo de S. Marcos (1 1/2 légua acima do de S. Francisco  de Borja ) o furriel miliciano Victor Nogueira com 12 homens havia sido atacado por mais de 200 espanhóis, que o rodearam em um laranjal, e o fizeram prisioneiro e a todos os 12 homens: Depois soubemos o grande valor com que aquele furriel se defendeu por espaço de mais de 4 horas, matando muitos espanhóis, cujo numero não se sabe ao certo, não havendo mais de um morto, da nossa parte, e que só depois de extinto o último cartucho é que o sobredito furriel se entregou prisioneiro. Com esta notícia mandou o major comandante Joaquim Félix ao meu tenente Gabriel Ribeiro com 19 homens, para S. Francisco de Borja, aonde se encarregou o dito tenente de defender o passo de S. Marcos, com 30 homens, patrulhando os demais passos imediatos a este.

Logo que melhorei, passei ao povo de. S. Nicolau, aonde haviam chegado do Rio Grande 1 sargento com 20 granadeiros, e alguns dragões: Segui acompanhando ao dito major comandante que se pós em marcha para S. Francisco de Borja, reconhecendo os passos do Uruguai e dividindo os mesmos granadeiros com algumas pequenas peças de artilharia pelos passos, ou lugares mais importantes. Ao passarmos pelo passo de S. Marcos, reforçou o sobredito major comandante aquela guarda com mais 10 homens. e seguimos para S. Francisco de Borja, aonde fiquei com alguns dos meus camaradas, para acudir aonde fosse mais necessário, por ordem do mesmo major comandante, que se retirou para S. Nicolau.

 Naquele povo de S. Francisco de Borja tive notícia, que no passo de S. Maria 1 légua acima do de Conceição. atacou o Inimigo uma pequena patrulha da partida de Manuel dos Santos Pedroso. cuja patrulha se retirou pela grande superioridade dos espanhóis, dos quais não se sabe o número dos feridos e mortos, por serem conduzidos para o outro lado do Uruguai: da nossa parte morreu 1 miliciano.

Poucos dias chegou de socorro da nossa fronteira da Vacaria o capitão Varela da cavalaria miliciana com 130 homens, às ordens do sobredito major comandante, o qual fez reforçar com esta gente os 3 passos de S. Lucas, Conceição, e S. Maria, que estavam a cargo do referido Manuel dos Santos, deixando 30 homens para S. Francisco de Borja, aonde havia chegado da fronteira do Rio Pardo o tenente João Machado com 40 homens da cavalaria miliciana.

A 21 de Novembro mandou o referido major comandante passar ao outro do passo de S. Lucas 80 e tantos homens, comandados pelo mencionado Manuel dos Santos, já promovido a tenente de cavalaria miliciana; o qual atacou os espanhóis, e teve tão teliz sucesso que, sem perder. nem ficar ferido camarada algum dos nossos, morreram dos espanhóis 15, e entre estes o seu comandante que tinha vindo com 150 e tantos homens rebater a nossa gente; a qual os fez pôr em fugida matando os referidos 15 homens, e trazendo 11 prisioneiros. Tomaram-se-lhes 3 peças de parque de artilharia bem montadas, com sua competente palamenta e 6 canoas grandes e 1 pequena, alguns cavalos, e arreios.

No dia 23 do dito novembro passaram os espanhóis para o lado de cá no passo de S. Francisco de Borja, em número de 185 homens de armas; e 30 índios comandados pelo citado Rubio Dulce capitão de milícias: Ouvindo as nossas Patrulhas à meia-noite alguns tiros que deram os espanhóis pelas chácaras dos índios, dos quais morreu 1 e outros foram presos, acudi àquelas horas com Raimundo Santiago, e o meu tenente Gabriel Ribeiro, com toda a companhia ao passo de S. Francisco de Borja; o alferes de Dragões João António com os seus soldados e alguns milicianos ficaram em roda do povo; cujo comandante, que era o tenente Francisco Carvalho se postou com 15 homens, e 2 pequenas peças de artilharia no portão do Colejo. Ao amanhecer quando a minha companhia encilhava cavalos, partiu do povo o tenente de milícias Felipe Carvalho com 30 homens, e aos 3/4 de légua encontrou o inimigo na costa do Uruguai, 1/2 légua acima do passo onde me achava. Neste encontro mataram o nosso cirurgião, e feriram a um miliciano, e deles ficaram mortos 7 e 2 feridos. Segui imediatamente com a minha companhia para o lugar dos tiros, e a este tempo chegou também o tenente João Machado com a sua companhia, que andava patrulhando de sorte que nos ajuntámos à vista do inimigo 110 homens: Ali fizemos as nossas disposições, e vendo-se a fortíssima, e vantajosa posição do inimigo, cuja retaguarda se achava coberta pelo Uruguai, e os seus flancos pelo grande bosque do mesmo Uruguai se ofereceu para principiar o ataque pelo flanco esquerdo com 40 homens, o meu tenente Gabriel Ribeiro: o qual seguindo pelo bosque assinta coisa de 300 braças e vendo que toda a gente do dito flanco esquerdo havia descido ao rio, a receber a provisão e socorro de boca e guerra que acabava de chegar do outro lado em uma canoa, lhes deu uma descarga de clavina, e continuou a fazer fogo ao que correspondia o inimigo e desamparando a canoa se apoderou o mesmo tenente do fornecimento, que nela vinha e seguiu fazendo fogo pela retaguarda inimiga. A este tempo ataquei o flanco da direita com a gente que havia para aquele lado e o mesmo fez pela vanguarda o tenente João Machado com a sua partida, e a alferes André Ferreira.

Vendo-se o inimigo atacado por todos os lados, se pôs em fugida, atirando-se uns a passar a nado o Uruguai. e outros entregando-se prisioneiros, cujo número chegou a 75. Não se sabe no certo o número dos mortos, porém entre os que ficaram, e os afogados no rio, passam de 60. Dos nossos, além do cirurgião, ficaram dois milicianos mortos e 1 ferido.

Vendo o governador e tenente governador, que se achavam do outro lado, a derrota e desbarato da sua gente, ficaram tão receosos e atemorizados, que não tentaram outra invasão, até que chegou a declaração da paz em 24 de dezembro.

Não posso deixar de confessar, que o feliz sucesso de tudo quanto eu pratiquei devo ao notório valor, acerto e atividade do referido Gabriel Ribeiro, meu tenente, que muito me ajudou. O meu alferes Francisco Gomes também se faz recomendável pelo seu valor e bons serviços que fez. — Porto Alegre, 8 de maio de 1802 — José Borges do Canto.


Fonte

José Borges do CANTO, «Relação dos acontecimentos mais notáveis da guerra próxima passada na entrada e conquista dos Sete Povos das Missões orientais do rio Uruguai», in: RIHGB, vol.130, t.77, parte II, 1914 [1802]


Transcripto: Memória da Tomada dos Sete Povos de Missões da América de Espanha (Gabriel Ribeiro de Almeida, 1806)

MEMORIA DA TOMADA DOS SETE POVOS DE MISSÕES DA AMERICA DE HESPANHA

Que hoje se acham anexos ao domínio do príncipe regente de Portugal, nosso senhor: escrita em Lisboa, no ano de 1806, por Gabriel Ribeiro de Almeida.

[ortografia modernizada]

Governava a capitania do Rio Grande de S. Pedro o tenente-general Sebastião Xavier da Veiga Cabral [Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara (1742-1801)], quando no ano de 1801 se declarou a guerra entre Portugal e Espanha. Logo que lhe chegou esta notícia por Pernambuco, mandou pôr editais, para que os povos conhecessem a nação espanhola por inimiga. Não há palavras com que se expresse o alvoroço de todos os habitantes daquela capitania, na esperança de fazerem com as armas na mão uma divisão de limites mais vantajosa. Recebida enfim a certeza por ofício do vice-rei do Rio de Janeiro, feita a declaração da guerra com a formalidade do costume, mandou o governador aprontar as tropas, tanto pagas como milicianas; mas refletindo que o meio mais essencial de conservar a disciplina nos corpos militares, e individualmente a satisfação de cada soldado pelo bem do real serviço, é tê-los bem pagos de seus soldos, e vestidos de seus uniformes, e que desgraçadamente aquela tropa estava reduzida á ultima miséria, não tendo por si mais que a sua coragem, pois que a tesouraria do Rio de Janeiro, por quem naquele tempo eram pagos, lhe devia distintamente doze para quinze anos de soldo, e outro tanto ou mais de fardamento, por único recurso contou com a disposição dos povos para vestir a tropa, pois os via tão desejosos de guerra; deu as ordens aos chefes dos regimentos, tanto ao coronel Manuel Marques de Sousa [1743-1820], como ao tenente coronel Patrício José Correia da Câmara [futuro visconde de Pelotas (1744-1827)], que convocassem as pessoas principais do povo, e lhes expusessem a necessidade que havia de socorrer a tropa para marchar naquele rigoroso inverno a campanha. O mesmo espírito de patriotismo, que havia feito que os povos gostassem [de] entrar voluntariamente na guerra, fez com que em poucos dias se vestisse a tropa; porque, os que não podiam dar dinheiro davam panos, bois, cavalos, carros e escravos, oferecendo aos trabalhos tudo em benefício da tropa e do estado, e isto continuaram a praticar em toda a guerra.

Dividido o exército em dois corpos, o fez marchar para as fronteiras respetivas, uma do Rio Grande, e outra do Rio Pardo; a do Rio Grande, comandada pelo coronel Marques de Sousa, se compunha de oitocentas praças, a maior parte milicianos; e a do Rio Pardo, comandada pelo tenente-coronel Patrício José Correia da Câmara, se compunha de setecentas praças, também a maior parte milicianos.

Nesta mesma ocasião chegavam os mais poderosos daquela capitania a pedir licença ao governador para levantar companhias de gente de cavalo, e armá-los a sua custa, para saírem contra o inimigo; e os mais pobres se juntavam em ranchos, e faziam o mesmo: e como todos levavam fácil concessão, concorreu para o exército gente inumerável e resoluta, com faculdade de passar adiante dos exércitos, e fazer as hostilidades possíveis ao inimigo. Desta sorte se apresentou naquela fronteira um exército formidável, não tanto pelo número dos indivíduos, como pela disposição dos ânimos, e isto sem despesa do estado, e a maior parte destas tropas milicianas, esta a mais atrevida, robusta e ativa nas suas campanhas, em quem os povos confiavam o seu triunfo.

Os espanhóis, vendo os movimentos dos dois exércitos portugueses, que marchavam para as raias, abandonaram as guardas, de maneira que já as nossas tropas não acharam nas ditas guardas senão as barracas, que logo demoliram, e começando pela lagoa Mirim para o norte, eram as guardas as seguintes: 1.ª, a da Lagoa; 2.ª, Quilombo; 3.ª, S. José; 4.ª, Santa Rosa; 5.ª Santa Tecla; 6.ª, Taquarembó; 7.ª, Batovi; 8.ª, S. Sebastião; as duas últimas para a parte de Missões, e as mais da parte de Montevidéu, confrontando com o Rio Pardo e Rio Grande; e da Lagoa Mirim para o Sul, no estreito e terra que corre entre ela e o oceano, haviam duas guardas, que foram avançadas pelo capitão Simão Soares da Silva, e o tenente José Antunes, que do Rio Grande saíram para atacar aquelas guardas, quando marchava o exército para a fronteira; pois não deixou de lembrar ao governador que podia entrar o inimigo por aquele estreito entre a lagoa Mirim e o oceano, e vir surpreender a vila de S. Pedro, na ausência daquelas tropas, cujos oficiais destruíram as ditas guardas, e se retiraram com o despojo que nelas acharam.

Retirando-se os espanhóis das guardas mencionadas, se recolheram e reuniram em um forte de campanha denominado Serro Largo, e ali se fortificaram.

Entre os voluntários paisanos que se ofereceram para ir contra o inimigo, foi um deles Manuel dos Santos Pedroso, homem fazendeiro e soldado miliciano; e obtida a licença, marchou com 40 homens, de que se fez chefe, atacou e pôs em fugida a guarda de S. Martinho, e na posse desta, passou a saquear algumas fazendas; nestas imediações se retirou com mais de 100 animais vacum e cavalar deixando em abandono aquele posto; e o capitão Francisco Barreto [Francisco Barreto Pereira Pinto [(1758-1804)], aproveitando-se da ocasião, não se descuidou de pôr imediatamente guarda nossa, pois é principal entrada para Missões. José Borges do Canto [José Francisco Borges do Canto (1775-1805)], e eu com 40 homens, fizemos a grande conquista de sete povos de Missões, que vou a referir.

O dito Canto tinha sido soldado de Dragões, e antes de ser disciplinado no seu regimento havia desertado, há bastantes anos, e vivia entre os portugueses e espanhóis naquela vasta campanha povoada de uma nação de gentios charruas e minuanos, couto e refúgio dos criminosos de ambas as nações. O dito José do Canto ora entrava na capitania do Rio Grande de S. Pedro, donde era natural, ora nas terras dos espanhóis, a traficar contrabandos: em uma e outra parte passeava oculto, pois se tinha feito célebre com a sua vida extravagante e odiosa a ambas as nações; e sabendo que havia perdão geral aos desertores, se apresentou ao tenente-coronel Patrício José Correia da Câmara, e pediu licença para sair a fazer alguma hostilidade ao inimigo; e obtida que foi esta, saiu por entre as fazendas, convocando alguns seus conhecidos, e incorporou consigo 14 homens.

Andava nesta mesma diligência um tenente da capitania de S. Paulo, chamado António de Almeida Lara, que por seu negocio vivia naquela capitania; este tinha consigo 12 homens, e se incorporou com o dito Canto, e saindo ambos para a fronteira, chegaram à guarda denominada S. Martinho, onde eu estava destacado debaixo das ordens do alferes André Ferreira, que ali comandava sujeito ao capitão Francisco Barreto, que comandava aquele distrito, e se achava distante duas léguas, e respondia por ele ao tenente-coronel Câmara.

Na dita guarda me ofereci a acompanhá-los, levando em minha companhia 6 camaradas da mesma, e no primeiro dia de marcha encontramos 8 homens, comandados por António dos Santos, que andava explorando a campanha, e unindo-se também a nós, com estes completaram 40 homens de armas, com os quais se fez a conquista, que vou descrevendo.

Entrámos nesta campanha no mês de agosto na força e rigor de inverno, que foi a causa da nossa felicidade em todos os sucessos. No primeiro dia fizemos 10 léguas de caminho, e pela noite ser tenebrosa, tomámos a guarda denominada S. Pedro, sem sermos sentidos, e sem dar tempo a pegar em armas; achamos ali 30 índios, comandados por um espanhol, que pusemos em prisão, e os índios em liberdade, e os capacitámos que a guerra era com os espanhóis, e não com eles. Com isto se puseram em sossego, e nos fizeram bons ofícios; não lhes consentimos saqueio algum por não desgostá-los, e unicamente nos refizemos de cavalgaduras, pois neste lugar haviam mais de 1,000 animais, entre vacum e cavalar, e seguimos a nossa viagem com o desígnio de voltar quando pudéssemos dar notícias certas das forças que havia naqueles povos.

Neste lugar me pediu o Canto que houvesse de tomar parte no comando e direções daquela empresa, pois se confundia com o não entender a língua daqueles índios, e eu os entendia perfeitamente; consenti na proposição, e tratámos consultar mutuamente em tudo quanto nos fosse preciso.

No terceiro dia de marcha avistámos algumas armas muito ao longe, e vimos que se encaminhavam para a nossa parte; fizemos-lhes emboscada em um desfiladeiro, e nos caíram prisioneiros, sem haver a menor resistência. Estes homens eram exploradores da nação inimiga, que circulavam aquela campanha para fazer aviso de toda a novidade que encontrassem. O que os comandava, pela portaria que me apresentou, mostrava o grande conceito que dele fazia o governo, e por fim era um insigne salteador, desertor das nossas tropas, chamado João Inácio [no original, Ignacio], que estava agregado ao serviço de Espanha; e logo que foi reconhecido, o conduzimos preso pela inconfidência e traição. No seguinte dia tomamos o porto denominado S. Inácio; aqui havia uma pequena guarda em resguardo de 500 cavalos; neste lugar fomos instruídos do estado em que estavam aqueles povos pela informação seguinte. Disse-nos o que comandava que dali distante quatro léguas havia uma guarda denominada S. João Mirim [Merim, no original], onde havia 10 espanhóis escolhidos e armados, e que também havia muita cavalhada, boiada mansa, e gado de munição dos povos, e 60 índios para o seu costeio; e do dito S. João Mirim a seis léguas estava um acampamento, que se tinha principiado havia oito dias, e era para disciplinar as recrutas, e para acampar as tropas que ali se haviam de reunir, vindas da cidade da Assunção, de Paraguai, e dos mais povos além do Uruguai, para marcharem contra os domínios de Portugal, e que aquele acampamento distava uma légua da capital.

Sabida esta notícia, resolvemos atacar o dito acampamento, para o que essa noite adiantei-me com 20 homens, deixando outros 20, para marcharem na manhã seguinte com o Canto, e mais gente de armas. Essa noite pus em cerco a guarda referida, e ao aclarar o dia pus tudo em prisão, favorecendo-me o escuro da noite horrorosa tempestade, que facilitou minha resolução; e chegando meu companheiro Canto, que tinha ficado como já disse, cuidámos em viajar, pondo muitas precauções essa noite, para que não fosse algum aviso ao acampamento; marchamos as ditas seis léguas, e nos avizinhámos a ele.

Era este sítio em terreno alto, resguardado de um mato e dois caudalosos arroios, em cujas entradas não haviam [sic] guardas avançadas; pois parecia-lhes impossível entrarem tropas portuguesas sem serem sentidas pelas guardas ou exploradores da campanha, pois deste acampamento às nossas raias dista trinta léguas; por este descuido em que estavam foi nossa entrada feliz.

Depois de ter explorado o acampamento, dispusemo-nos para a ação, pois vinha rompendo o dia. Pusemo-nos em linha de batalha a tropa que levámos, que se compunha de quarenta praças, como em outra parte já disse, comandando eu e José do Canto. Haveria, pouco mais ou menos, 500 passos de distância entre nós e o dito acampamento, e já teríamos avançado a metade, quando, picando a marcha a toda a brida, rapidamente nos fizemos senhores daquele acampamento, sem haver um grito de «armas» nas sentinelas como saíssem alguns tiros da barraca do comandante, que era D. José Manuel de Lascano, foi preciso fazer fogo, e sempre houve 14 mortos e bastantes feridos; e da nossa parte houve somente um camarada ferido. 

Havia neste acampamento 100 espanhóis de armas, e 300 índios, os quais ficaram livres da hostilidade deste assalto, por estar o seu abarracamento algum tanto separado do dos espanhóis. Alcançada a vitória, ao aclarar do dia refleti eu que os índios estavam suspensos, e aproveitando-me da ocasião, por ver o susto em que estavam, lhes fiz uma fala no seu idioma, conforme as mais vezes tinha praticado; animei-os, e lhes fiz ver que a guerra não era com eles, e para mais os atrair, o pouco despojo que havia neste acampamento, consultando com o Canto, foi repartido por eles, e isto lhes fez tomar o expediente de se unirem às nossas armas; e vendo-nos munidos destes 300 homens, consultamos investir a capital, que estava à vista. Reparti então os novos soldados em pelotões, e avançámos ao dito povo de S. Miguel. Depois despachámos uma parte ao capitão Barreto, dando-lhe conta de tudo circunstanciadamente, e avizinhámo-nos á capital; não a levamos de escala por ter artilharia, mas pusemo-la em sítio, cujas escoltas e patrulhas, que dirigíamos a eles, a inquietavam em diversos lugares dos seus muros. Este sítio foi posto às 11 horas do dia, e se divulgou tanto naquelas circunvizinhanças. que, quando foi à noite, achámo-nos com mais do mil índios debaixo do nosso comando. No dia seguinte despachamos outra parte, em que dávamos conta de estar a capital daqueles sete povos em sítio, e que nos viesse socorro. Apertamos o sítio de tal forma, que, dentro em três dias, se rendeu por uma capitulação, feita e assignada por nós e o tenente-coronel D. Francisco Rodrigo, que ali residia, e governava os sete povos. Entramos neste povo, tomando dele posse, e se retirou o dito D. Francisco para o do rio Uruguai, levando consigo duzentos homens, que era a guarnição que ali havia.

Deste acontecimento demos parte ao nosso chefe, que era o capitão Barreto, e já era a terceira, que dávamos, sem termos resposta nem socorro.

Pondo este povo em tranquilidade, dirigi ofícios aos mais povos pertencentes àquela conquista, cujos comandantes não tiveram dúvida em se render, pois viam a sua capital tomada.

Com isto entramos em detalhe de governo, tomando posse dos povos que estavam mais imediatos, que vem a ser S. Lourenço, S. João, S. Luís, S. Ângelo, para cujos povos marchei, deixando com o Canto vinte homens de guarda na capital, e levando comigo outros vinte.

Chegando aos ditos povos, cuidei logo em recolher os estandartes das câmaras, fazendo ver que não deviam ser arvorados mais, porque o domínio espanhol tinha cessado, cujos estandartes entreguei ao falecido governador.

Ainda que as circunstâncias da guerra não me permitiam demora no recebimento daqueles povos, contudo sempre falhava um dia em cada povo, e fazia por contentar ao publico, assistindo aos seus festejos, empenhando-me em contentar aos reverendos curas das igrejas, mostrando-lhes muita benignidade, e capacitando-os que seriam respeitados das nossas tropas; e roguei-lhes juntamente que não desamparassem suas igrejas.

Esta política que usei, foi o motivo dos ditos padres se conservarem no mesmo cuidado daquele grande número de almas que tinham a seu cargo, não obstante terem o passo livre para se retirarem, segundo as condições da capitulação e ainda ali se conservaram até a minha retirada daqueles povos, que foi em 1805. Acabada a diligência do recebimento daqueles povos, recolhi-me a S. Miguel.

Manuel dos Santos Pedroso, que tinha feito o saque na guarda de S. Martinho, entrava novamente com os 40 homens que o acompanhavam, e chegando ao povo de S. Miguel, como já o visse tomado, pôs-se em consulta com os seus camaradas, e refletindo eu nisto, lhe fiz uma fala, que nos reuníssemos, pois, incorporados todos eram maiores as forças, e que éramos juntamente vassalos de um mesmo soberano. Respondeu-me com palavras equívocas, e no mesmo dia seguiu para o povo de S. Nicolau, que ficava quase nas margens do rio Uruguai, onde esperou o tenente-coronel que se retirava, fiado nas condições da capitulação, e por consequência sem susto, e antes de chegar ao rio Uruguai, o atacou uma noite e a seu salvo o fez prisioneiro, e pós em fugida toda a gente que o acompanhava, ficando senhor de toda a equipagem, fazendo voltar e conduzir para trás por uma guarda de homens sem pundonor algum, pois o insultaram nesta condução para lhe tirarem quanto trazia de precioso.

Nesta ocasião chegávamos, eu de tomar posse dos povos, o sargento-mor de Dragões José de Castro Morais com tropas em socorro, e o sobredito tenente-coronel espanhol preso, e todos nos juntámos em S. Miguel. Examinada a causa daquela prisão foi respondido que quem tinha feito aquela capitulação não eram os oficiais, e por consequência o dito Santos mandava preso para o Rio Pardo ao dito tenente-coronel. Esta ação nos foi muito sensível, mas como já estava o oficial superior presente, a ele competia prevenir e remediar tudo. O capitão Manuel Carneiro e o tenente Francisco Carvalho foram os que se incumbiram e empenharam a fazer com que os soldados do dito Santos, que conduziam ao tenente-coronel, entregassem o que lhe tinham tirado, O sargento-mor Morais olhava tudo com refinada política, estudando os meios de escurecer os nossos serviços, e lembrando-se ser o Canto soldado do seu regimento, quis puxá-lo ao esquadrão, e tirá-lo do comando daquela conquista, não fazendo apreço dos nossos serviços.

O Canto, mal costumado na sua vida dissoluta a sofrer e ainda mais com a vaidade de conquistador, cuidou em prevenir-se. e assentou defender-se comas mesmas armas com que tinha acometido ao inimigo: eu refletindo que a minha prudência não era bastante para remediar tantas controvérsias, tomei o expediente de passar ao Rio Grande, a dar conta ao governador, não daquelas intrigas, mas sim da conquista.

O tenente-coronel espanhol, sabendo que me dirigia a dar esta conta rogou-me lhe conduzisse uma carta, ao que eu não tive dúvida, nela se queixou do dito Santos ao governador, facto que fui saber no quartel-general. Tomou contada nossa conquista o sargento-mor José de Castro Morais, não com a regularidade devida, mas como quem estava com a disposição que dissemos; e eu marchei para a vila do Rio Grande, aonde cheguei em ocasião que já estava o governador doente; entreguei ao ajudante das ordens José Inácio da Silva os estandartes, a capitulação, e os mais documentos que levava, como também a carta do tenente-coronel espanhol. 

O governador, pesando o valor de nossos serviços, fez nesta ocasião condecorar a José Borges do Canto com o posto de capitão de milícias, e eu em tenente da mesma companhia; e deu ordem para que fosse nomeado para alferes o que fosse demais merecimento dos 40 indivíduos a quem se devia aquela conquista; e foi nomeado Francisco Gomes de Matos. Também deu ordem o governador para que fosse preso Manuel dos Santos Pedroso, pelo insulto feito ao dito D. Francisco, governador que tinha sido daqueles povos; o que não se efetuou com a morte do governador, que foi dali a poucos dias; mas antes, depois de ter dado esta ordem, o mesmo governador o condecorou como posto de tenente de milícias, por condescender com a vontade e proposta do tenente coronel Câmara, que mandou ao furriel José Maria com uma promoção ao Rio Grande, para que a assinasse antes de morrer, em cuja ocasião foi incluído o dito Manuel dos Santos. 

Eu e os meus camaradas bem conhecíamos a José do Canto, que era homem intrépido e valoroso; porém, há muitos anos desertor, e por consequência indisciplinado, não sabia do terreno, ignorava a língua, embaraçado em manobra, e era destes homens determinados, mas sem deliberação em ação; contudo, a fama que tinha adquirido nas suas extravagâncias fez com que o preferíssemos no comando, porque também não tínhamos assaz conhecimento das suas qualidades, pois nem ler nem escrever sabia, e assim o tenente e eu não duvidámos ceder-lhe, para evitar desordens, e ultimar o fim da nossa carreira. O tenente Lara, apesar das suas virtudes, não tinha nascido para a guerra; a sua constituição, e talvez educação, o desviavam da campanha: essa a razão por que não aparece nos combates, e se oculta nesta memória.

No enquanto José Borges do Canto e eu conquistávamos os povos de Missões, não estava o exército ocioso; estando o coronel Manuel Marques em uma guarda abandonada pelos espanhóis, denominada da Lagoa, teve aviso que além do rio Jaguarão aparecia um grande corpo de inimigos; despediu o capitão de milícias António Rodrigues Barbosa, o capitão António Xavier de Azambuja, e o alferes Hipólito de Couto, com duzentos e quarenta homens de armas, a encontrar-se com o inimigo, e em dois dias de campanha se toparam. 

Entrando os ditos oficiais em consulta para fazerem aquele ataque, opôs-se a isto o capitão Azambuja, dizendo que ia primeiro observar em um alto se o inimigo trazia artilharia, e se retirou, levando consigo a sua companhia. Conhecido pelos outros o medo, consultaram os dois oficiais, e entraram na ação, com tal valor e intrepidez que venceram e destruíram o inimigo, ficando com a vitória desta ação o capitão António Rodrigues Barbosa e o alferes Hipólito de Couto. Houveram [sic] cinquenta mortos, setenta prisioneiros, entre estes dois capitães e um alferes; dos nossos só morreu um cabo de esquadra.

Depois desta ação fez o comandante Manuel Marques de Sousa marchar aquele exército para a fortaleza do Serro Largo, onde dissemos tinham-se ido incorporar as guardas espanholas, quando abandonaram a sua fronteira; e chegando o dito coronel à fortaleza, combateu-a e tomou-a por uma capitulação, retirando-se a tropa espanhola; entregaram-lhe aquele forte com quatro peças, munição de guerra e cinco mil pesos duros em prata. A tropa que guarnecia esta fortaleza era o seu número setecentos e sessenta homens, pois tinham sabido outros tantos desta mesma praça comandados pelo coronel Quintana, com o desígnio de ir atacar a fronteira do Rio Pardo, quo não teve efeito, como adiante se dirá.

No segundo dia desta conquista se pôs o nosso exército em retirada para o rio denominado Jaguarão. Deixo aos políticos decidir sobre este modo de proceder. Os sete povos de Missões conquistados com um punhado de homens, e por meros soldados, acham-se debaixo dos domínios de S. A. R.; e aquela fortaleza do Serro Largo, conquistada por aquele coronel, munido de artilharia, e com 800 homens, está possuída dos espanhóis, que em poucos dias se senhorearam outra vez dela. 

Retirado o nosso exército, tanto que passou o rio Jaguarão para a nossa banda, o sobredito coronel licenciou a tropa, deixando só 200 homens de guarnição naquele passo, comandados pelo tenente-coronel Jerónimo Xavier de Azambuja, e se retirou para o Rio Grande, por saber estava o general à morte. Este modo de obrar, de licenciar a tropa, e entrar o inimigo nesta mesma ocasião de posse da fortaleza, que tinha perdido, foi digno de reparo a todos os prudentes, e ainda ao povo; seja o que for, eu não me proponho senão a dizer a verdade do que aconteceu.

Apossado o inimigo da fortaleza, adiantaram-se mais, até chegar ao passo do Jaguarão; e como o achassem com os 200 homens que dissemos, parou o exército inimigo, e mandou seu comandante, que era o marquês de Sobremonte [Rafael de Sobremonte Núñez Castillo Angulo Bullón Ramírez de Arellano, 3.º marquês (1745-1827)], dizer ao comandante daquele passo, que era o referido Azambuja, que logo e logo lhe desse o passo livre: respondeu este por uma carta (pois o marquês também tinha escrito ) que o seu comandante e governador estava na vila do Rio Grande, que S. Exc. lhe concedesse três dias para lhe dar resposta; e sendo-lhe concedidos, no mesmo instante deu parte ao coronel, e este para Porto Alegre ao brigadeiro Francisco João Rossio [Rici, no original (c.1733-1805)], que comandava aquela repartição, e não se deu resposta ao marquês, como se prometera; mas entretanto se enterrou o governador Sebastião Xavier, e tomou contado governo o brigadeiro Roscio, e desceu imediatamente para a vila do Rio Grande, onde achou os povos em grande confusão, dispondo-se para passarem a S. José do Norte, antes que entrasse o inimigo; pois sabiam da retirada do exército, e não havia providencias para encontrar o inimigo na fronteira; mas, com a chefia da do novo governo interino a esta vila, se pôs tudo em sossego com a providencia que se veio dar. Fez imediatamente marchar para Jaguarão o coronel Marques, levando consigo as tropas do seu comando; fez marchar tropas a engrossar as guardas de Itaim, como também a do Albardão, e no estreito da terra, entre a lagoa da terra e o mar oceano, pelo receio que havia de entrar o inimigo a surpreender a vila fez descer da fronteira do rio Pardo o segundo corpo do exército, que comandava o tenente-coronel Patrício José Correia da Câmara, com ordens de acometer o inimigo, ou a reunir-se ao exército que comandava o coronel Marques, a quem também deu a mesma ordem. Depois que deu estas providencias, dispunha-se o mesmo brigadeiro a sair para a campanha, quando nesta ocasião chegou a paz; tinha dado todas as providencias que podia dar um bom e experiente general.

Marchava o exército da fronteira do Rio Pardo para Jaguarão, e só lhe faltavam dois dias de marcha, para se ver com o que comandava o coronel Marques, quando receberam os dois comandantes ordem do brigadeiro e governador que não executassem a ordem, que lhes tinha dado, de acometer o inimigo; mas sendo avisado o brigadeiro que o marquês de Sobremonte, general do exército espanhol, sem atenção ao beneficio da paz, perseverava no mesmo projeto, e em espirito armado, o dito brigadeiro escreveu nos termos seguintes: — Que ele havia ordenado ao exército português que passasse o rio Jaguarão para acompanhar o exército de S. M. Católica, que S. Ex. comandava até Montevidéu, mas que suspendera a execução desta ordem, por observar a que tinha de S. A. R. o príncipe de Portugal, que havia celebrado com S. M. Católica tratados de paz; mas que agora via S. Ex. perseverar na intenção de passar aquém de Jaguarão, sem atenção as mesmas razões da paz; e que isto lhe não parecia bem: contudo, se S. Ex.ª era servido pôr em execução seu intento, podia vir; mas que advertisse que havia passar pelo desar de não o concluir, em quanto as águas do dito Jaguarão pudessem levar os cadáveres dos seus soldados; e quando estes fizessem vau, por onde o exército espanhol passasse com as armas na mão para entrar nas terras que ao presente são da coroa de Portugal, e a pessoa de S. Ex.ª viesse na retaguarda, que tivesse a certeza que não havia voltar para o seu quartel, porque o acharia perpétuo, e todo o exército do seu comando nas mesmas terras de Portugal.

Foi tal a aceitação desta carta que, com maduro e prudente conselho, cuidou o marquês em se retirar. Via uma carta cheia de razão, via que as tropas portuguesas anelavam pela peleja, e via finalmente uma serie de continuados estragos, que haviam os espanhóis experimentado; a sua retirada foi a decisão, e nesta forma finalizaram as suas campanhas as tropas desta fronteira, e ficou o rio Jaguarão por divisa, ou servindo de limite, ainda que podia ser pelo Serro Largo.

Enquanto fiz a viagem, que já disse, ao Rio Grande, esteve o Canto em S. Miguel até à minha volta; e os espanhóis a reunirem tropas, para retomar os povos perdidos, e o sargento-mor José de Castro Morais, e a seu exemplo a mais tropa, cuidava mais em locupletar-se, que na conservação daquela conquista.

Chegando eu ao povo S. Miguel na volta do Rio Grande, tinha tomado conta do governo politico daquela nova conquista o sargento-mor José de Saldanha, e retirou-se o sargento-mor Morais, o capitão Manuel Cancro, o capitão José de Anchieta [Anxita, no original; José de Anchieta Furtado de Mendonça (1756-1829)], o capitão Alexandre Guedes, e parte da tropa que guarnecia estes povos, e se recolheram para a fronteira do Rio Pardo, ao corpo de tropa que comandava o tenente Coronel Câmara, onde nesta ocasião havia menos perigo; e pelos choques ou ataques que sucederam se verá.

O sargento-mor Joaquim Félix [Joaquim Félix da Fonseca Manso (1751-1814)] fez sua residência em S. Nicolau, três léguas distante do rio, e o comandante da tropa foi residir em S. Francisco de Borja, vinte léguas ao Sul do dito S. Nicolau, uma légua distante do rio; defronte de S. Francisco de Borja está o povo S. Tomé, além do rio um quarto de légua distante da fronteira espanhola, e o rio por meio. Entre estes dois povos, no passo denominado S. Marcos, houve muitas hostilidades, e deste povo a S. Borja para baixo a Sul tínhamos que defender mais de vinte léguas, que toda esta fronteira era invadida do inimigo, que vinham a ser mais de quarenta léguas de fronteira que devíamos defender só quatrocentos homens contra mais de dois mil, que já se tinham reunido para a reconquista dos povos. 

Fui com ordem de comandar a minha companhia com que tinha feito a conquista, por se achar doente o capitão, e ter ficado no povo S. Miguel. Tomei quarteis em S. Nicolau, e dali a poucos dias marchei em socorro ao tenente Manuel dos Santos Pedroso, que se via atacado por um corpo numeroso de inimigos; e como achasse valor naquele oficial para defender aquela entrada, e acudíssemos com tempo, não pode fazer seu desembarque.

Alguns dias ajudei a defender aquela entrada, no enquanto houve vários choques, que vou a referir.

No passo da Cruz, que dista para baixo de S. Borja mais de vinte léguas, foi atacado o tenente Francisco Carvalho da Silva, e o alferes João António da Silveira, por um corpo de inimigos. Estes dois oficiais se portaram com muito valor, defenderam esta entrada com quarenta homens, e perderam um camarada neste ataque; mas destruíram e venceram o inimigo, onde houve nove mortos e bastantes feridos da parte do inimigo.

Passados poucos dias, no passo de S. Marcos, entre S. Borja e S. Tomé, foram duas vezes as nossas guardas destruídas, mas sem perda de gente. Este lugar foi o mais invadido e perigoso, como se verá pelos casos acontecidos. Foi atacado no passo de S. Lucas o tenente Manuel dos Santos Pedroso por um corpo numeroso de inimigos; este lugar dista dezoito léguas acima de S. Francisco de Borja, em cujo ataque se distinguiu muito o alferes Manuel Padilha. Defenderam este lugar valorosamente com cento e sessenta homens, e não só destruíram o inimigo, onde morreram um ajudante de artilharia e dois soldados, como também lhes tomaram duas peças de artilharia que traziam. No passo de Santa Maria no Uruguai foi atacado o cabo de esquadra Bernardino da Silva; ainda que perdeu um camarada, defendeu esta entrada valorosamente.

Continuaram os choques no passo de S. Marcos; e foi atacado o furriel de milícias Victor Nogueira da Silva por um corpo demais de cem homens, achando-se só com quatorze; cercaram-no entre umas laranjeiras, onde se entrincheirou, e sustentou este fogo enquanto lhe durou a munição. Durou este combate perto de uma hora, defendendo-se valoroso, na esperança de ser socorrido da nossa tropa, que ouvia os tiros no povo de S. Borja; mas quando chegou o socorro, já foi tarde; tinha-se-lho acabado a munição e mortos dois camaradas, e entregou-se prisioneiro de guerra, tendo feito grande destroço no inimigo, e já tinham dado à vela as barcas que o conduziam para além do rio Uruguai preso.

Muito sensível nos foi este sucesso, pois eram os primeiros que se viam vencidos e presos naquela fronteira de Missões. Custou a suster as nossas tropas para que não seguissem a resgatá-los, entrando pelas terras do inimigo, onde eram grandes as forças a respeito das nossas: apesar de não termos neste porto barcas, com tudo sempre houve seis homens que intentaram a passagem em uma pequena barca que descobriram, o ocultamente se embarcaram uma noite para executar o seu façanhoso projeto. E como fosse o seu desembarque ao amanhecer, foram sentidos e atacados, onde eles sustentaram por algum tempo este fogo; e conhecendo a temeridade, se retiraram debaixo do mesmo fogo, depois deterem feito alguma hostilidade no inimigo, e sem perigar nenhum deles; mas, sendo seguidos por duas barcas, antes de vencerem o rio, iam sendo abordados, e certamente teríamos que sentir, pois estes homens eram de valor intrépido, e morreriam sem se entregar á prisão; mas valeu que já as nossas balas alcançavam, e sendo socorridos foram salvos.

Os que entraram nesta ação foram um furriel de milícias Raimundo de S. Tiago, e cinco soldados milicianos. Com tantos choques nestas imediações de S. Marcos tive ordem para ir fornecer este lugar, onde foi preso o nosso herói Victor. Cheguei ali com a minha companhia, que se compunha de quarenta praças; observei que além do rio havia um forte com artilharia, e que a sua praça de armas estava imediata: o desembarque para a nossa parte era inevitável, pois tinha mais de uma légua de praia, e toda era desembarque. Vi o grande destroço que tinham feito as balas nas laranjeiras, onde estiveram entrincheirados os nossos camaradas, antes de serem presos, e donde faziam o seu fogo. Formei minhas ideias; mandei vir sessenta índios, para correr com os avisos, armar barracas, abrir picadas, etc. Retirei-me alguma cousa para a retaguarda, para me servir de forte um grande barranco do rio Camaquã, que faz barra no Uruguai, e ali me acampei; ordenei as minhas guardas e sentinelas, as quais eram visitadas por ruim, pois passamos noites em vigia com cartucheira, espada cingida, e arma na mão, fazendo executar à risca as ordens, com o exemplo que dava; lembrava-me dos descuidos em que tinha achado os inimigos, quando os tinha surpreendido, e assim toda a cautela me parecia pouca. Haviam passados 39 dias do meu destacamento, quando, estando para amanhecer o dia 23 de novembro, recebi parte que estava passando o rio um grande corpo de inimigos. Tanto que recebi esta parte, mandei fazer sinal; imediatamente se recolheu a cavalaria; pus toda a minha companhia a cavalo, e depois de ter passado revista, animei-os de novo, segurando-lhes que eu seria o primeiro em receber os golpes dos inimigos. Fiz aviso ao povo de S. Borja, onde tínhamos alguma tropa, e como não aparecesse o inimigo. até aclarar o dia, cuidei em buscá-lo; e quando foi pelas 5 horas da manhã estive na sua frente com 112 homens, pois já me tinha vindo socorro. Topei-me com o inimigo na barra de Camaquã, sobre o barranco do rio Uruguai; coma minha chegada pôs-se em armas, e em linha de batalha com 100 homens na frente, e 50 nos flancos, e a sua retaguarda contra o rio, onde tinha o seu desembarque e munição de guerra.

No socorro que me veio de S. Borja, vieram 6 oficiais, e como se achasse ali o capitão José Borges do Canto, a ele competia o comando desta ação, por ser de maior patente, e às suas ordens me entreguei. Pusemo-nos em consulta, e como esta se demorava, e não se resolvia nada, pois tudo era fazer ver o grande perigo, as grandes forças do inimigo, a desigualdade do terreno, etc., com esta demora me separei destas conferências, e apliquei-me a observar os movimentos do inimigo. Das cinco horas que ali chegámos até as dez não se ordenava este ataque: e observei que embarcavam tropas em socorro, e se não atacávamos nesta ocasião, menos depois de terem passado maiores forças.

Nesta ocasião ofereci-me para entrar naquela ação, resoluto a dar a vida em defesa da pátria e dos estados do nosso soberano, e sendo aceita a minha proposta pelo capitão e mais oficiais, entrei nela pela forma seguinte: — o tenente João Machado e o alferes André Ferreira, com trinta homens de cavalo na frente; o tenente Filipe Carvalho, com o alferes Manuel Carvalho e o alferes João António, com outros trinta no flanco direito; os da frente fazendo fogo no mesmo terreno, a divertir e entreter os inimigos; e os do flanco direito para entrar na ação com o meu sinal, ou para a abordagem das barcas. 

O capitão José Borges, com alguns camaradas de reserva, para acudir aonde visse mais perigo, e eu com quarenta homens, ataquei ao flanco esquerdo, que logo se pôs em confusão e fugida. Avanço rápido à retaguarda, e tomo a munição de guerra; passo ao flanco direito, e faço-lhe o mesmo. O tenente e alferes nomeados neste posto, e o capitão com o meu sinal entra na ação, e fazemos fogo à frente, onde os nomeados tenente e alferes sustentam o seu posto. Tanto no fogo que faziam, como com algumas escaramuças entretinham o inimigo. Todos incorporados fizemos fogo mais vivo, e ficam os inimigos vencidos e derrotados, e se declara a vitória desta ação por minha; publicada por aqueles honrados oficiais, como consta dos documentos que tive a honra de apresentar a S. A. R.

Estava além do rio Uruguai o governador daquela fronteira inimiga, que insistia em querer mandar socorro; era o tenente-coronel D. Francisco Belmudes, e por estar imediato aquele povo a S. Tomé, estava aquela praia coberta de povo, que tinha baixado ali a presenciar o ataque, e se retirou bem descontente com o destroço dos seus patriotas. Acabada esta gloriosa ação, recolhemo-nos para S. Borja, com setenta e três prisioneiros, ficando no campo da batalha sessenta mortos, e da nossa parte houve três mortos e quatro feridos: o despojo consistiu em duzentas armas de fogo, algumas espadas, e bastante munição de guerra.

Este foi o último ataque que tivemos naquela fronteira de Missões; logo depois nos chegou a paz, e na declaração dela vi grande desgosto e sentimento nas tropas. Desta forma ficaram aqueles sete povos e o seu grande território anexo ao domínio de S. A. R., ficando por divisa o rio Uruguai, tomados e defendidos sem despesa do estado; mas sim á custa de seus vassalos, não obstante ter-se reunido naquela fronteira mais de dois mil homens, comandados pelo coronel Espíndola, vindos da cidade de Assunção de Paraguai.

Ficou o sentimento aqueles vassalos de Portugal de não ter tempo de levar ao inimigo até além do Rio da Prata, em que lhe não acham dificuldade alguma, senão a vontade do seu soberano, e aceitação de seus serviços, para serem remunerados. Chegou também a ordem para as tropas se retirarem, dirigida pelo governador; encontraram ao tenente Câmara, com o corpo de tropas que comandava, distante do acampamento de Jaguarão dez léguas.

Foi indizível a pena de toda aquela tropa com a certeza da paz, pois via a sua retirada sem fazer ação alguma, e com a lembrança de que tivera o inimigo a vista, e não tivera o gosto de medir as armas; foram aqueles setecentos homens que dissemos que saíram do Serro Largo, para atacar a fronteira do rio Pardo, comandados pelo coronel Quintana.

Estava aquela coluna que comandava o tenente-coronel Câmara na guarda denominada - S. Francisco - duas léguas de Batovi, quando teve parte, pelos nossos exploradores daquela campanha, que aqueles setecentos homens, que fica dito, vinham com desígnio de entrarem. Imediatamente pôs-se em marcha, e o foi encontrar, o qual encontro, foi no passo denominado - Rosário- do rio de Santa Maria: estiveram quase à fala, e chegou o exército inimigo a atirar alguns tiros de peça; mas estava crescido este arroio, e era já tarde, e por esta razão não tentaram a passagem, deixando-a para o dia seguinte. 

Naquela noite perdeu o exército inimigo o valor, e se pôs em retirada. O tenente-coronel Câmara, comandante da nossa tropa, não lhe picou a retaguarda, o que foi muito sensível àquela; com tudo e é de louvar que naquela campanha se conservasse com os incómodos das suas moléstias, andando sempre entre os medicamentos. 

As tropas que guarneciam a fronteira dos povos de Missões também tiveram ordem para se retirar, depois da publicação da paz; e assim finalizou a guerra naquela capitania. Eu sou testemunha ocular dos factos, ou da maior parte deles, que nesta memória relato; e deixo de expender circunstâncias mínimas por não ser difuso, e cansar a paciência do meu leitor das ações gloriosas que se manobraram nos povos de Missões, em que tive parte, ou fui principal agente. Fiz patente a S. A. R., em requerimento que ofereci, e em todo o tempo provarei a verdade dos feitos até com os mesmos espanhóis.

Lisboa, 18 de setembro de 1806. — Gabriel Ribeiro de Almeida.


Fonte

Revista Trimensal de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, N.º 17, abril de 1843. pp. 3-21, in: https://books.google.pt/books?id=RGNJAAAAcAAJ

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Uma Contribuição para o Memorialismo


Este blogue tem por principal objetivo a divulgação de transcrições de textos de memorialismo e crónica militar, com ênfase especial em testemunhas presenciais. É fundamentalmente uma contribuição para um corpus de memorialistas militares luso-brasileiros dos finais do Antigo Regime e para a sua apreciação histórica e literária.
Com esses objetivos, o blogue é também uma homenagem aos veteranos de há 200 anos, falecidos há já muito tempo, para que as suas vozes e as suas experiências sejam lembradas.
O foco especializado no finais do Antigo Regime e no Brasil Colónia, Reino e primeiro reinado do Império é também uma escolha tendente a concentrar buscas numa área reduzida, por forma a maximizar os resultados.
Agradeço qualquer ajuda ou pista para novos textos ou correção de antigos. Boa leitura.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Itinerário das Campanhas que tiverão princípio no ano de 1816 (J. J. Machado de Oliveira)


“Itinerário das Campanhas que tiverão princípio no ano de 1816".

Autor: José Joaquim Machado de Oliveira (Legião de São Paulo)

Datas extremas: 18.3.1816 - 9.3.1820

(Publicado em Revista do Arquivo Municipal, Ano VI, Volume LXXII, Novembro-Dezembro 1940, São Paulo, Departamento de Cultura da Prefeitura, pp. 5-20) [Leia online aqui - abre nova página]


* * *

[Início]

1816. 1.ª Campanha. 

Março 18. Saí de Pôrto Alegre embarcado e com tropa - 23. Cheguei à Vila do Rio Pardo.

Julho, 29. Saí de Rio Pardo com tropa, e acampamos na Picada. 30. Na Cruz Alta. - 31. No Campo de Felipe Carvalho.

Agosto 1. No Arroio Butucaraí. Passo de cima. - 2. No Capão dos Enforcados. 3. No Passo de Jacuí, aonde se esteve o dia. 4. Ocupado na passagem do rio. - 5. A meia légua distante daquele passo. - 6. No Passo da Estiva. – 7. Na Restinga Seca, estância de Antônio Gonçalves Borges. - 8. No Arroio do Sol, aonde se esteve também o dia 9, por chover muito. - 10. No capão de Manuel Paim. - 11. No Arroio de Santa Maria. - 12. No capão da eståncia do Pompeu. - 13. No rodeio velho das éguas do Felipinho ou Felipe Santiago. - 14. Na estância do Serino (Cirino ?), irmão de meu pag. (pagem ?) Domingues. - 15. Na estância do tenente-coronel Carneiro, ou Pau Fincado. — 16. Na estância de Manuel Ferreira, seu genro. - 17. Na estância de São Felipe. - 18. Na margem esquerda do Arroio Cacequi. Morreu afogado o cabo Malaquias. - 19. Ao pé da estância do inglês Daniel Luiz Carlos. - 20. No Passo do Rosário, aonde estivemos até o dia 29. - 30. Ao pé da estância de Pacheco de Lima. - 31. No Vacacuá. estância de Antônio Caetano. 

Setembro 1. Na Guarda da Conceição. aonde estivemos os dias 2 e 3. - 4. No Arroio da Porteira (?) ao pé da estância de Inácio Adolfo. -. 5. No Pôrto do Alferes Pinto.- 6. Nas cabeceiras do Ibirapuitã Chico, aonde estivemos o dia 1. - 8. No campo de João da Costa. - 9. Em São Diogo. - 10. ... pontas do Arroio de Valença. - 11. Acampamos no Boqueirão das Lagoas - 12. Na tapera do Leme, ou Capão do Cirurgião. Ali chamando-nos o Abreu (tenente-coronel José de Abreu) a conselho, decidiu-se que deviamos ir à Provincia das Missões, já invadida pelos insurgentes deixando a nossa marcha para Belém. - 13. No Suaraim chico. - Passo das carretas 14. No Arroio Garopá. - 15. No Arroio Camoatim. - 16. No Arroio Caoati.  -- 17. Num dos galhos do Toro-passo. - 18. No Arroio Toro passo, aonde estivemos o dia 19, passando 0 Arroio, que estava de nado. - 20. No Arroio Cochi-passo. Foram vistos alguns bombeiros (espiões) do inimigo. - 21. Na estância do Aferidor. Ali fizemos passar para o outro lado do Uruguai os Insurgentes, que se achavam, tanto na estancia, como no Passo de Santa Maria no Ibicui, aprisionando-se 2 homens e 6 mulheres (?) e alguma cavalhada. Falhamos o dia 22. - 23. No Ibiraocaí - 24. Acampámos no Ibiricui, aonde estivemos passando o dia 25. - 26. Na estância de Joãozinho de Oliveira. Neste dia bateram-se duas partidas inimigas, que andavam em saque. Foram mortos 16 insurgentes e 10 mais prisioneiros. - 27. No Tuparaí. Neste dia bateu-se uma partida inimiga e foram mortos 16 insurgentes e 10 mais prisioneiros. - 27. No Tuparaí. Neste dia bateu-se uma partida inimiga e foram mortos 26 insurgentes. - 28. Na estância do Padre Alexandre, aonde falhámos o dia 29, por chover muito. Foram vistos dois bombeiros (espiões) do inimigo. - 30. No capão de João Machado. 

Outubro 1. Na margem direita do Arroio Butuí, de nado. - 2. Além do Banhado de S. Borja. Ali estivemos até o dia 4. 5. No outro lado do Banhado de S. Borja. - 6. Neste dia fomos. ao Butuí, na sua barra, como não encontramos uma partida inimiga que ali fôra vista, retrogradamos... chovia. - 7. Acampamos no Povo de S. Borja, e ali estive até o dia 23, ocupado numa inquirição - 24. No Ivaí, aonde estava a divisão. - 25. No Capão de Butuí. - 26. No Butuí-chico. - 27. No pôrto da estância de Santa Rosa. - 28. No Ibicuí, Passo de S. Rosa e ali nos demoramos o dia 29 na passagem. -- 30. No capão da estância do tenente Olivério. - Na margem esquerda do Ibirapuită, Passo Guassú.

Novembro 1.º No Pai-passo. 2. Na tapera de Inácio dos Santos Abreu, – 3. Em S. Diogo. Ali se achava o Regimento da Ilha. - 4. No acampamento do Ibirapuitã, aonde estava o exército, Ali estivemos até 20 de dezembro.

Dezembro - 25. Marchou todo o exército e acampamos ao pé da estância do Cláudio. - 26. Saí para o Côrpo da Vanguarda, e acampamos ao pé da tapera do Cláudio, aonde se falhou o dia 27. - 28. Acampamos no campo de Juca Mingote. - 29. No Indahim, onde se falhou o dia 30. - 31. A vanguarda marchou um quarto de légua sobre a frente, aonde se falhou o dia 1.º de janeiro de 1817. 


1817.

Janeiro 2. No Arroio Catalã. A vanguarda marchou às 6 da tarde para o Arapeí, chegou alí a 3, atacou o acampamento inimigo e voltou no mesmo dia para Catalã, aonde chegou às 7 da tarde. No dia 4 houve nesse lugar a batalha de Catalã, e falhou-se o dia 5. - 6. Num dos galhos do Arroio Catalã, aonde se falhou os dias 7. 8. 9 e 10. - 11. Na barra do Catală, aonde se falhou os dias 12, 13, 14 e 15. - 16. No Suaraim, no Passo do Lageado. Dêste lugar saí em diligência para Pôrto Alegre a 29 e fui pernoitar na estância de João dos Santos Abreu. 30. No porto da estância de Joaquim Luiz - 31. Na estância de capitão Brito.

Fevereiro 1. Na estância do tenente-coronel Antônio Pinto. - 2. Na estància de S. João. - 3. Pernoitei nos Morais. - 4. Na Cachoeira. - 5. Em Rio Pardo. - Embarquei para Porto Alegre. - 8. Em Porto Alegre, aonde estive até o dia 3 de março, e embarcando com tropa para o Rio Pardo, ali cheguei no dia 11.

Março 15. Saimos de Rio Pardo e acampamos no Capão da Vendinha do Arroio das Pedras. -16. No Butucaraí. Passo da Ponte. - 17. No Passo de S. Lourenço no Jacuí, 18. Em Santa Bárbara. - 19. Na estância do Corcundinha. - 20. No Arroio da estância do capitão Freire - 21. No ... de Luiz Machado - 22. Na estância do Padre João de Almeida. - 23. No Vacacaí, estância do coronel Pinto. - 24. No pôrto velho do Batoví. -- 25. No Passo de S. Borja. - 26. No Capão do Severo. - 27. Na Guarda da Conceição, donde se falhou o dia 28, por quebrar-se o eixo do carro. 29. Acampamos no pôrto de Joaquim Luiz. - 30. Na Estância do Tulio. 31. No campo de Juca Mingote.

Abril 1. No acampamento do exército no Suaraim, aonde estivemos até 20 de março de 1818, e a 21, marchando o exército, saí daquele acampamento com a tropa comandada pelo coronel Abreu, e acampamos no Arroio Sarandi.


1818.

Março 22. Nas pontas do Sarandi. - 23. No Arroio do Areal, estância do Guarda-mor. - 24. No Capão do Tigre, estância de Joaquim Pôrto. ---- 25. Nas pontas do Nhanduí, onde se falhou o dia 16, por chover. -- 27. No capão da estância de Gaspar Nunes. - 28. Na capela de Alegrete. Saí dêste lugar para Porto Alegre em diligência no dia 3 de junho e fui pernoitar na estância do Dornellas.

Junho 4. Na estância do major João Machado Bitancourt. - 5. Na estância do Severino. --- 6. Pernoitei na estância do capitão José Machado. - 7 No pôrto da estância de S. João. - 8. Na estância do alferes Machado.- 9. Na freguezia da Cachoeira. – 10. Na vila de Rio Pardo, aonde embarquei no dia 11, e no dia 12 cheguei a Pôrto Alegre.

Saí de Porto Alegre em 6 de novembro, embarcado, e cheguei a Rio Pardo a 12 do dito, de onde saí a 23 e pernoitei na chácara do capitão Bernardo. - 25. No Passo de S. Lourenço.-- 26. Em Santa Bárbara. -27. Na estância de Manuel Rodrigues Penteado. - 28. No Adolfo. 29. Na tapera de Luiz Machado. - - 30. Na estância do padre João de Almeida.

Dezembro. 1. Na capela de S. Gabriel. - 2. Na cochilha de Jubatuim. - 3. Na estância de Antônio Francisco. -- 4. No Passo do Rosário. - 5. Na estância da Côrte Real, no Capão. 6. Ao pé da estância de Pacheco de Lima. - 7. Na estância do capitão Florêncio. -- 8. Na estância de José Maria. - 9. Na capela de Alegrete. Primeiro movimento da guarnição para a fronteira. A 25 de dezembro saiu de Alegrete a guarnição e foi acampar no Arroio Pai. Passo. - 26. No mesmo Arroio. No Passo da Marmota. - 27. Na estância da Marmota. -- 28. Numa das pontas do Pai-Passo. - 29. 

[1819]

Em outra ponta do dito, aonde estivemos até o dia 4 de janeiro de 1819, e no dia 5, marchando-se para a fronteira, soube se que o inimigo se retirara, e por conseguinte retrogradou-se, e acampamos no arroio da divisa do Marmota. 6. No lado esquerdo do Ibirapuitã. - Passo guassú. 7 - Na capela do Alegrete.

Segundo movimento. A 1.º de Abril saímos da Capela de Alegrete, em consequência da segunda invasão das Missões, e acampamos a meia légua distante dali, à margem do mesmo Ibirapuitã, e dêsse lugar passamos para o Pôrto das Pedras, ao pé da Capela, a 10 do dito mês. A 17 chegou o sr. Conde da Figueira, e a 20, movendo-se a divisão, acampou do outro lado do Ibirapuità - Passo guassú. 

Maio 21. Num capão do campo do Joaquim Machado. 22. No Ibicuí, Passo de S. Rosa, aonde nos demoramos a passá-lo o dia 23. ---- 24. No Pôrto de .... de S. Rosa. -- 25. Nas pontas do Butui. - 26. Nos capões ao pé da estância de S. Gabriel -- 27. No Camacuã. Ali nos reunimos com a tropa do marechal Chagas. -- 28. No Itaraoquim. 29. No capão do pôrto do Severino. - 30. Piratini, Passo Novo da Figueira. -- 31. Ao anoitecer marchamos, e ao amanhecer paramos em uns capões ao pé da estância de S. Jerónimo. 9.

Junho 1. Ao anoitecer marchamos e fomos amanhecer no dia 2 no Povo de S. Luiz, e acampamos fora - 3. Acampamos dentro do Povo de S. Luiz, aonde estivemos até o dia 9. 10. No Passo de Pirajú. - 11. Nuns capões de S. Jerónimo. -- 12. Estando assentado... no Arroio Guaraçá, marchamos para o Povo de S. Nicolau, por saber que o inimigo o evacuava. - 13. Marchamos com destino para o Passo de S. Isidoro, e por se achar o Arroio Jacatobá de nado, aí acampamos. - 14. Meia légua distante do Passo Geral do Piratini. 15. Apartando-se a Legião da divisão, para unir-se ao Côrpo de Abreu, acampou no capão do Porto do Severino.- 16. Em Itaroaquerim. - 17. Na estância de S. José, do Chagas, - 18. No Passo de S. José do Camacuã. -- 19. No G...iaçai, aonde se achava a tropa do Abreu. - 20. Nos capões ao pé da estância de S. Gabriel... 21. Nas pontas do Butui. - 22. Acampamos no capão da estância do Cunha. -- 28. No Ibirapuitã, Passo guassú.- 29. Na Capela de Alegrete.

Julho - Nos dias 4, 5, e 6 de julho marchou a divisão do brigadeiro Abreu, e eu fiquei para me retirar para Pôrto Alegre em consequência do meu emprego. - 31. Saí da Capela de Alegrete e pernoitei na estância de Felipe Carvalho.

Agosto. 1. Em Taperí, chácara de Joaquim Leonel. 2. No banhado de Saicã, meia légua distante do Pôrto da estância de Antônio Franeisco. -- 6. Na estância do major Tomaz 7. Na Capela de S. Gabriel, aonde falhei o dia 8. - 9. Na estância do tenente-coronel Antônio dos Santos - 10. Na estância do Mancio. - 11. Na estância do Quartel Mestre. - 12. Pernoitei na estância do Machado Gordo, ao pé da estância do tenente Ricardo. -13. Na chácara de Manuel Joaquim Teixeira no Capão dos Enforcados. 14. Na Cruz Alta. - 15. Em Rio Pardo, aonde embarquei a 17, e a 19 cheguei a Porto Alegre.


2.ª Campanha, 1820. 

Janeiro. Na noite de 2 saímos de Porto Alegre com & infantaria e a artilharia do meu comando, e chegamos a Rio Pardo a 8, e no mesmo dia acampamos no lado direito do Passo do Rio Pardo. - 9. No capão da Cruz Alta. - 10. No Passo de S. Lourenço no Jacuí. - 11. Nos Morais. - 12. No Arroio do Lageado, divisa de S. Jo... 13. No Passo de Carutaí. - 14. No Arroio do Lageado no campo de S. Fidélis. -- 15. No Passo de S. Borja. - 16. Na estância de Placido Severo. - 17. No Passo de Ibicuí-Chico. - 18. Acampamos duas léguas distantes de Itaquatiá. - 19. Em Itaquatiá, aonde estava o exército. - 20. Na tapera de d. Ramon. --- 21. Chegámos ao Passo do Sutil no Cunhapirú, e aí, esperando a noite, marchámos para o Taquarembó Grande, aonde chegámos na manhã de 22, em que atacamos o inimigo e o derrotamos. Aí estivemos nos dias 23 e 24. - 25. Retrogradamos para o Passo do Sutil. - 26. Acampamos no Cunhapirú. - 27. Nas pontas do Ibicuí. - 28. Nos morros de S. Ana. - 29. No Sarandi, - 30 No Funchal. --- 31. No Pai-Passo, pontas.

Fevereiro. - 1. No Passo do Pai Passo. - Em Alegrete. Aí ficamos até o dia 21. - 22. No Arroio do Lageado. - 23. No Arroio Jaguaquá. - 24. No tenente-coronel João Machado. - Falhamos o dia 25, por chover. - 26. Acampamos no Arroio Cacequí. - 27. Em S. Gabriel. - 28. No Fidélis, aonde estivemos o dia 29.

Março. - 1. No Arroio .... 2. Na tapera de Luiz Machado. 3. No Passo de S. Bárbara. - 4. Na estância do tenente Ricardo.- . No Arapoá. - 6. Na estância do Bibiano. - 7. No Arroio Francisquinho. - 8. No Arroio dos Ratos. – 9. Em Porto Alegre".

[Fim]


* * *

Pequena biografia

O capitão José Joaquim Machado de Oliveira nasceu em São Paulo, a 8 de Julho de 1790, filho do  tenente coronel Francisco José Machado de Vasconcelos e de D. Ana Esmerina (Esméria ou Esmênia) da Silva.

Com um ano e meio de idade, o pai assentou-lhe praça mas só em dezembro de 1807, já com 17 anos, foi reconhecido cadete.  É Alferes em 1809, tenente em 1811 e, finalmente, graduado em capitão em 13 de Maio de 1813, pelos seus serviços na Campanha de 1811-12.

Em 1816, com cerca de 26 anos, é capitão de infantaria da Legião de Voluntários Reais, de S. Paulo, e participa com distinção, nos combates do Passo de Yapeyú e na batalha de S. Borja, e, já em Janeiro, na Surpresa de Arapey, sempre sob o comando direto do tenente coronel José de Abreu.