terça-feira, 23 de abril de 2024

Transcripto: Relação dos Acontecimentos Mais Notáveis [...] na Entrada e Conquista dos Sete Povos das Missões (José Borges do Canto, 1802)

Relação dos Acontecimentos Mais Notáveis da Guerra Próxima Passada na Entrada e Conquista dos Sete Povos das Missões Orientais do Rio Uruguai, por José Borges Do Canto […]

Autor: José Francisco Borges do Canto (1775-1805)

[ortografia modernizada]

Depois que o capitão de Dragões e comandante da guarda avançada de S. Pedro. Francisco Barreto Pereira Pinto [1758-1804], mandou atacar a guarda espanhola de S. Martinho, pelo dom Manoel dos Santos [Pedroso] o qual por ordem do mesmo capitão se foi internando a dispor e assegurar aos índios daqueles povos, que eles de nenhuma forma seriam ofendidos ou molestados pelos portugueses; mas sim auxiliados, a fim de sacudirem o jugo dos espanhóis. e tirarem debaixo da benéfica proteção de S. A. R. o Príncipe Regente nosso senhor, recebeu o sobredito capitão comandante cartas dos corregedores. e mandarins dos mesmos povos, que eles tinham com efeito a mais eficaz vontade de passarem à obediência e proteção do nosso soberano, para o que esperavam ansiosamente do mesmo capitão comandante serem socorridos e auxiliados pelos portugueses.

A este tempo me apresentei voluntariamente na dita guarda de S. Pedro com 15 homens que eu havia ajuntado, e agregado a mim, e me ofereci ao referido capitão comandante para ser empregado na guerra, debaixo das suas ordens. Tendo ele preenchido o número de 40 homens, inclusos os ditos 15, me encarregou de auxiliar os índios do povo do S. Lourenço. que eram os que mais instavam pelo socorro dos portugueses. prometendo-me, que eu seria brevemente socorrido com outra igual partida.

No dia 3 de agosto me pus em marcha para o 1.º estabelecimento, ou estância de S. Pedro, dos índios, aonde já o mesmo capitão de Dragões meu comandante havia posta uma patrulha portuguesa de 7 homens, e ali achei os índios muito favoráveis: oferecendo-nos cavalos, mantimentos, e suas pessoas. Com estes auxílios segui adiante 9 léguas para o posto de S. Xavier, e nesta marcha aprisionámos um bombeiro do inimigo, vindo do povo de S. Miguel, capital dos mencionados povos, cujo bombeiro deu-me notícia que na estância de S. João Mirim 3 léguas adiante, havia uma patrulha de 5 espanhóis, e vários índios; e que 1 légua para cá da dita capital se estava formando um acampamento, aonde haviam [sic] 30 espanhóis, e 300 índios.

Na noite deste dia ordenei ao furriel miliciano Gabriel Ribeiro marchasse com 20 homens a surpreender ou atacar aquele posto de S. João Mirim; o que com efeito executou o mesmo furriel, felizmente sem haver morte alguma. 

Marchei no dia seguinte para S. João Mirim, aonde achei quatro espanhóis presos, e os índios todos daquele lugar dispostos a me acompanharem, oferecendo-me mantimentos e cavalgaduras. Considerando que logo se espalharia a notícia da minha chegada, até à capital, com o parecer do sobredito furriel, nos pusemos em marcha na noite deste dia, com o fim de surpreender e atacar o dito acampamento, perto do qual chegámos 3 horas antes de amanhecer. Ao romper do dia pus uma guarda aos prisioneiros. e à cavalhada, e com 36 homens que dispus ataquei repentinamente o sobredito acampamento com uma descarga de clavina, na parte em que se achavam os espanhóis; os quais se renderam imediatamente, ficando 5 mortos, e 8 feridos, sem haver ferido algum da nossa parte. Os índios que procuravam fugir espavoridos com a bulha dos tiros, logo que lhes mandei falar, e dizer, que nós íamos a socorrê-los, e não fazer-lhes dano, se voltaram todos a nosso favor, e muito contentes e prontos a nos acompanhar, e auxiliar em qualquer empresa que tentássemos.

Dei logo parte desta vantagem, e feliz acontecimento ao citado capitão de Dragões meu comandante; o qual fez sem demora marchar em meu socorro ao sobredito  Manuel dos Santos Pedroso, com 40 homens, e eu acompanhado dos 300 índios do acampamento segui no mesmo dia para a referida capital de S. Miguel, aonde se achava o tenente governador dos citados povos, que era o tenente-coronel de infantaria D. Francisco Rodrigo, ao qual avisei e mandei intimar que mandasse confessor para os feridos, e se aprontasse, ou para entregar o povo de São Miguel, ou para ser atacado: respondeu-me que tinha com que se defender. Chegámos à vista daquele povo em distância como de 400 braças; mandei os índios recolher todos os animais cavalares, e vacuns que se achassem nas imediações do sobredito povo; ao qual pus cerco; nesta ocasião se ofereceram os mesmos índios para tentarem com engano que se abrisse o portão do colejo, afim de segurarem 10 peças pequenas de artilharia, e perto de 200 espingardas, e de mais armamentos, que havia no mesmo Colégio, e podermos entrar ao sinal que nos fizessem; porém o tenente governador desconfiado dos índios, não os deixou entrar. Uma grande parte dos índios do povo, e muitas famílias se agregaram à nossa partida neste mesmo dia que foi a 9 de agosto. No dia seguinte fiz montar a cavalo 400 índios, a frente dos quais marchei com a nossa partida uma pequena distância, e mandei intimar por escrito ao sobredito tenente governador, que evacuasse quanto antes o povo, eu lhe admitiria uma favorável capitulação e que do contrário sofreria o rigor da guerra: respondeu-me que lhe concedesse 3 dias para se resolver, no que convim. Ao seguinte dia encarreguei ao furriel Gabriel Ribeiro de patrulhar com 10 homens para a estrada de S. Lourenço, em cuja diligência aprisionou um correio mandado pelo governador de Missões para o referido tenente governador; ao qual recomendava em uma carta fizesse toda a diligência por se defender, entretanto que ele próprio governador o socorria com a maior brevidade. Com esta notícia enviei as cartas ao tenente governador, fazendo-lhe saber que eu não podia já convir na espera dos 3 dias, e que se não capitulasse sem demora, o atacava: respondeu-me que logo na manhã do dia seguinte me remeteria as condições da capitulação, pedindo-me, que o não atacasse antes. 

Na tarde deste dia chegou em meu socorro o referido Manuel dos Santos Pedroso com 40 homens, remetidos pelo mencionado capitão de Dragões meu comandante, o que havia encarregado ao mesmo Manuel dos Santos, que a não precisar eu de socorro se adiantasse para a costa do rio Uruguai a guarnecer, e defender os passos, entretanto que ele dito capitão procurava enviar mais gente de reforço. conforme a que fosse ajuntando. e as partes que recebesse. Acordei com Manuel dos Santos que não precisando eu já do seu socorro, por querer capitular o tenente governador, se fosse adiantando, conforme as ordens do mesmo capitão comandante.

Na manhã do dia 13 me enviou o tenente governador por 3 espanhóis a capitulação, pela qual exigia. que eu o fizesse escoltar até passar o Uruguai com 160 espanhóis que tinha consigo e todo o armamento, e petrechos de guerra, no que convim atendendo às funestas consequências que se poderiam seguir de qualquer demora, em razão do socorro espanhol, que esperavam sem dilação. Fiz imediatamente aprontar as carretas, cavalhada, e gado de munício para esta condução, que encarreguei a 5 homens da minha partida. 

No seguinte dia tomei conta do povo e seu armazém, e pus em marcha o referido tenente governador na forma ajustada. Dei logo parte desta grande vantagem ao citado capitão de Dragões meu comandante, e deixei que fossem livremente para seus respetivos povos os 300 índios do acampamento. No dia 15 fiz saber aos dois povos de S. João, e S. Ângelo, que se deviam submeter à obediência de S. A. R., o que aceitaram sem repugnância, e dei as providências que me pareceram necessárias para o sossego, e quietação dos mesmos povos. O referido Manuel dos Santos Pedroso que se achava defendendo a passagem do Uruguai, sabendo que vários espanhóis se incorporavam ao tenente governador que ia em viagem, a passar o mesmo Uruguai, e receando que estes favorecessem a passagem do inimigo para o lado de cá, voltou a encontrar-se com o sobredito tenente governador, e o fez retroceder desarmando toda a sua gente, dando parte desta resolução e previdência ao mesmo capitão de Dragões comandante; o qual enviou imediatamente um dos Cadetes seus filhos, com um capitão de cavalaria miliciana, a fim de que reunindo-se com uma patrulha de 15 homens que se conservava no posto de S. Pedro, lhe dirigisse as partes de acordo comigo, encarregando-me assim como a Manuel dos Santos da defesa dos passos do Uruguai; e sem dilação fez marchar o capitão Anchieta [José de Anchieta Furtado de Mendonça (1756-1829)] da cavalaria miliciana com a sua companhia, 10 dragões e 1 furriel a incorporar-se comigo e seguirem as minhas disposições. 

Assentamos que o dito capitão Anchieta com a sua companhia, e os dragões marchasse para o povo de S. Francisco de Borja, que era o mais distante, e próximo ao Uruguai; que o tenente governador, e demais espanhóis se conservassem como prisioneiros no povo de S. Miguel, aonde eu me achava, e que o mesmo Manuel dos Santos Pedroso continuasse a defender os passos do Uruguai, e de tudo dei parte ao senhor governador do continente, ao tenente coronel comandante da fronteira do Rio Pardo, e ao referido capitão de Dragões meu comandante pelo mencionado furriel Gabriel Ribeiro, remetendo por este bandeiras dos povos de S. Ângelo, S. João. S. Lourenço e S. Luís, de que resultou haver-me o dito senhor governador promovido a capitão de cavalaria miliciana e a tenente da minha companhia, ao citado furriel Gabriel Ribeiro, dando-me autoridade para eu nomear alferes da mesma companhia, o que fiz elegendo para este posto a Francisco Gomes, um dos meus camaradas que se havia distinguido. 

Na marcha em que ia o sobredito capitão Anchieta encontrou vários índios do mesmo povo de S. Francisco de Borja. que traziam preso e amarrado o espanhol seu administrador para mo entregarem, certificando, que aquele povo estava rendido à obediência, e proteção de S. A. Real, e os seus habitantes o ficavam defendendo dos espanhóis, esperando o socorro português.

Havendo deixado o capitão Anchieta na sua marcha uma patrulha de 9 ou 10 homens no passo de S. Marcos. no Uruguai, foi esta atacada na seguinte noite pelo inimigo com forças mui superiores, o que não obstante se defendeu a dita patrulha toda a noite até o amanhecer, que se retiraram para o outro lado os espanhóis. e a mesma patrulha para o povo de S. Francisco de Borja, por haverem perdido os seus cavalos com arreios, e gastado todos os cartuchos: da nossa parte houve um homem morto. e da do inimigo 7, além dos feridos. 

Tendo chegado para comandante dos povos o major de Dragões [José de Castro Morais], recebi deste ordem a 16 de setembro para mandar 7 camaradas da minha companhia, com outros da partida de Manuel dos Santos a se incorporarem em S. Francisco de Borja com o tenente de cavalaria miliciana Francisco Carvalho; o qual com 9 homens tinha sido atacado no passo da Cruz, 14 léguas abaixo do de S. Francisco de Borja, nos fins de agosto, pelos espanhóis  em número de 150 comandados por um oficial miliciano, conhecido por antonomásia o Rubio Dulce, de cujo ataque resultou ficar ferido da nossa parte um homem e tomarmos ao inimigo 414 cavalos.

Poucos dias depois Raimundo Santiago que se achava de patrulha no passo de S. Francisco de Borja, meteu-se em um bote com seis homens e foi bombear na margem oposta o forte dos espanhóis sendo por estes persentidos se pôs em retirada, e lhes fez fogo matando 5 homens, e ferindo 3: no meio do rio foi atacado por 2 botes inimigos, e apesar do grande fogo que lhe faziam a que correspondia o dito Raimundo, pode conseguir escapar-se para o lado de cá donde havia sabido.

A este tempo o mesmo Rubio Dulce com 2 saveiros guarnecidos com 30 homens cada um, pretendeu fazer um desembarque no referido passo de S. Francisco de Borja, cujo lugar sendo socorrido pelo furriel miliciano Victor Nogueira com alguns soldados, e o mesmo tenente Francisco Carvalho que ajuntou 30 homens, fizeram estes um fogo tão bem dirigido sobre o inimigo, que desenganado de não poder verificar o seu desembarque, se pôs em retirada levando muitos mortos, e feridos, e da nossa parte não houve ferido algum.

Rechaçado o dito Rubio Dulce, passou o Uruguai com 80 homens de cavalo, e foi atacar uma pequena guarda que o sobredito tenente Carvalho havia deixado no passo de Butuí [no original, Botoy]; cuja guarda constava de um furriel miliciano, e 7 homens; os quais se houveram com tanto acordo, e valor por mais de 3 horas de fogo, que obrigaram ao Inimigo a retirar-se com perda de 4 homens mortos e 7 feridos, não havendo da nossa parte mais de 1 ferido, que veio a morrer.

Socorrido o referido tenente Francisco Carvalho como fica dito, e tendo notícia deste acontecimento, se pôs imediatamente em marcha com 30 homens para o passo da Cruz, cujo caminho havia seguido Rubio Dulce com a sua partida; a qual sendo atacada de madrugada no passo do Tacuim, junto ao da Cruz, pela nossa que comandava o dito tenente, teve este uma grande vantagem; pois não só conseguiu pôr em fugida os espanhóis espavoridos pela costa do Uruguai deixando 7 mortos, e 11 feridos; mas retomou os animais, que levavam dos nacionais; aos quais se tornaram a entregar. Da nossa parte houve 1 ferido e 1 morto. 

Havendo passado de ordem superior para o outro lado do Uruguai o mencionado tenente governador, e várias famílias espanholas, chegou a Missões a 24 de setembro o major Joaquim Félix [Joaquim Félix da Fonseca Manso (1751-1814)] para comandante dos referidos 7 Povos, e se retirou o major de Dragões. No 1.º de outubro tive ordem do dito major comandante para deixando eu a gente precisa para guarda dos prisioneiros, me pusesse em marcha com a que sobrasse para o povo de S. Nicolau, aonde ele se achava; porém eu que estava doente, mandei o meu tenente Gabriel Ribeiro com 19 homens. Depois tive notícias que os espanhóis atacaram no passo da Conceição; distante 4 léguas de S. Nicolau, uma pequena patrulha nossa, a qual se retirou em rezão do grande número dos inimigos, que se contentaram em conduzir 2 canoas ao outro lado, para onde tinham já passado, quando chegou o reforço de gente, enviada de S. Nicolau. 

Poucos dias depois deu parte o tenente de Dragões José dos Santos, que estava continuamente ameaçado, e atacado o passo de S. Francisco de Borja, aonde só haviam 15 homens novos [sic] comandados pelo citado Raimundo Santiago auxiliado pelos índios [no original, gralha tipográfica, “Raimu uxiliado pelos Santiago nndl-dios”], e que no passo de S. Marcos (1 1/2 légua acima do de S. Francisco  de Borja ) o furriel miliciano Victor Nogueira com 12 homens havia sido atacado por mais de 200 espanhóis, que o rodearam em um laranjal, e o fizeram prisioneiro e a todos os 12 homens: Depois soubemos o grande valor com que aquele furriel se defendeu por espaço de mais de 4 horas, matando muitos espanhóis, cujo numero não se sabe ao certo, não havendo mais de um morto, da nossa parte, e que só depois de extinto o último cartucho é que o sobredito furriel se entregou prisioneiro. Com esta notícia mandou o major comandante Joaquim Félix ao meu tenente Gabriel Ribeiro com 19 homens, para S. Francisco de Borja, aonde se encarregou o dito tenente de defender o passo de S. Marcos, com 30 homens, patrulhando os demais passos imediatos a este.

Logo que melhorei, passei ao povo de. S. Nicolau, aonde haviam chegado do Rio Grande 1 sargento com 20 granadeiros, e alguns dragões: Segui acompanhando ao dito major comandante que se pós em marcha para S. Francisco de Borja, reconhecendo os passos do Uruguai e dividindo os mesmos granadeiros com algumas pequenas peças de artilharia pelos passos, ou lugares mais importantes. Ao passarmos pelo passo de S. Marcos, reforçou o sobredito major comandante aquela guarda com mais 10 homens. e seguimos para S. Francisco de Borja, aonde fiquei com alguns dos meus camaradas, para acudir aonde fosse mais necessário, por ordem do mesmo major comandante, que se retirou para S. Nicolau.

 Naquele povo de S. Francisco de Borja tive notícia, que no passo de S. Maria 1 légua acima do de Conceição. atacou o Inimigo uma pequena patrulha da partida de Manuel dos Santos Pedroso. cuja patrulha se retirou pela grande superioridade dos espanhóis, dos quais não se sabe o número dos feridos e mortos, por serem conduzidos para o outro lado do Uruguai: da nossa parte morreu 1 miliciano.

Poucos dias chegou de socorro da nossa fronteira da Vacaria o capitão Varela da cavalaria miliciana com 130 homens, às ordens do sobredito major comandante, o qual fez reforçar com esta gente os 3 passos de S. Lucas, Conceição, e S. Maria, que estavam a cargo do referido Manuel dos Santos, deixando 30 homens para S. Francisco de Borja, aonde havia chegado da fronteira do Rio Pardo o tenente João Machado com 40 homens da cavalaria miliciana.

A 21 de Novembro mandou o referido major comandante passar ao outro do passo de S. Lucas 80 e tantos homens, comandados pelo mencionado Manuel dos Santos, já promovido a tenente de cavalaria miliciana; o qual atacou os espanhóis, e teve tão teliz sucesso que, sem perder. nem ficar ferido camarada algum dos nossos, morreram dos espanhóis 15, e entre estes o seu comandante que tinha vindo com 150 e tantos homens rebater a nossa gente; a qual os fez pôr em fugida matando os referidos 15 homens, e trazendo 11 prisioneiros. Tomaram-se-lhes 3 peças de parque de artilharia bem montadas, com sua competente palamenta e 6 canoas grandes e 1 pequena, alguns cavalos, e arreios.

No dia 23 do dito novembro passaram os espanhóis para o lado de cá no passo de S. Francisco de Borja, em número de 185 homens de armas; e 30 índios comandados pelo citado Rubio Dulce capitão de milícias: Ouvindo as nossas Patrulhas à meia-noite alguns tiros que deram os espanhóis pelas chácaras dos índios, dos quais morreu 1 e outros foram presos, acudi àquelas horas com Raimundo Santiago, e o meu tenente Gabriel Ribeiro, com toda a companhia ao passo de S. Francisco de Borja; o alferes de Dragões João António com os seus soldados e alguns milicianos ficaram em roda do povo; cujo comandante, que era o tenente Francisco Carvalho se postou com 15 homens, e 2 pequenas peças de artilharia no portão do Colejo. Ao amanhecer quando a minha companhia encilhava cavalos, partiu do povo o tenente de milícias Felipe Carvalho com 30 homens, e aos 3/4 de légua encontrou o inimigo na costa do Uruguai, 1/2 légua acima do passo onde me achava. Neste encontro mataram o nosso cirurgião, e feriram a um miliciano, e deles ficaram mortos 7 e 2 feridos. Segui imediatamente com a minha companhia para o lugar dos tiros, e a este tempo chegou também o tenente João Machado com a sua companhia, que andava patrulhando de sorte que nos ajuntámos à vista do inimigo 110 homens: Ali fizemos as nossas disposições, e vendo-se a fortíssima, e vantajosa posição do inimigo, cuja retaguarda se achava coberta pelo Uruguai, e os seus flancos pelo grande bosque do mesmo Uruguai se ofereceu para principiar o ataque pelo flanco esquerdo com 40 homens, o meu tenente Gabriel Ribeiro: o qual seguindo pelo bosque assinta coisa de 300 braças e vendo que toda a gente do dito flanco esquerdo havia descido ao rio, a receber a provisão e socorro de boca e guerra que acabava de chegar do outro lado em uma canoa, lhes deu uma descarga de clavina, e continuou a fazer fogo ao que correspondia o inimigo e desamparando a canoa se apoderou o mesmo tenente do fornecimento, que nela vinha e seguiu fazendo fogo pela retaguarda inimiga. A este tempo ataquei o flanco da direita com a gente que havia para aquele lado e o mesmo fez pela vanguarda o tenente João Machado com a sua partida, e a alferes André Ferreira.

Vendo-se o inimigo atacado por todos os lados, se pôs em fugida, atirando-se uns a passar a nado o Uruguai. e outros entregando-se prisioneiros, cujo número chegou a 75. Não se sabe no certo o número dos mortos, porém entre os que ficaram, e os afogados no rio, passam de 60. Dos nossos, além do cirurgião, ficaram dois milicianos mortos e 1 ferido.

Vendo o governador e tenente governador, que se achavam do outro lado, a derrota e desbarato da sua gente, ficaram tão receosos e atemorizados, que não tentaram outra invasão, até que chegou a declaração da paz em 24 de dezembro.

Não posso deixar de confessar, que o feliz sucesso de tudo quanto eu pratiquei devo ao notório valor, acerto e atividade do referido Gabriel Ribeiro, meu tenente, que muito me ajudou. O meu alferes Francisco Gomes também se faz recomendável pelo seu valor e bons serviços que fez. — Porto Alegre, 8 de maio de 1802 — José Borges do Canto.


Fonte

José Borges do CANTO, «Relação dos acontecimentos mais notáveis da guerra próxima passada na entrada e conquista dos Sete Povos das Missões orientais do rio Uruguai», in: RIHGB, vol.130, t.77, parte II, 1914 [1802]


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